Podem-se dar todas as voltas que se queiram em relação à decisão do Tribunal Constitucional que se pronunciou pela inconstitucionalidade do diploma da eutanásia. Umas melhores, outras piores, umas mais jurídicas e outras mais políticas, umas mais acertadas e outras mais disparatadas. Como dizia Cervantes “todo depende del cristal por donde se mire”…

Mas há uma volta que não é possível: negar que uma vez mais a lei foi ao Tribunal Constitucional e “bateu na trave”. Negar que esta é a terceira vez que uma lei da eutanásia é aprovada pelo parlamento e ainda não passou. Negar que pela quarta vez (em 2018 o parlamento rejeitou-a) os seus promotores não conseguiram atingir os seus propósitos. Negar que levam sete anos (contados desde a petição pela legalização da morte assistida) a tentar que haja eutanásia em Portugal e ainda não foi desta.

Mas há mais voltas que não são possíveis. Todas as que tentem negar que com esta decisão ficou bem claro que o diploma agora rejeitado não tinha a perfeição jurídica que se lhe atribuía nem a prudência e garantias com que, com algum sucesso, diga-se, tentaram deitar poeira para os olhos dos mais incautos. Negar que este diploma era uma espécie de “bar aberto” para a eutanásia e o mais laxista de todos. Negar que até hoje não há configuração possível de uma lei da eutanásia que possa merecer um juízo de conformidade à Constituição portuguesa.

Como não é possível negar que não há memória na história política e parlamentar portuguesa de um processo legislativo como este. Sem qualquer movimento social que o suporte; sem que os principais partidos portugueses tenham, em três sucessivas eleições legislativas, feito essa proposta ao seu eleitorado; que não teve, nas audições parlamentares, com excepção de duas ou três pessoas respeitáveis, a aprovação de nenhum organismo oficial, ordem profissional ou associação da sociedade civil; que não encontrou praticamente eco na opinião publicada; e que se manteve indiferente perante o pedido de quase 100 mil portugueses e, ao longo de três legislaturas, de três partidos com representação parlamentar (CDS, Chega e PSD), para que tivesse lugar um referendo.

A obsessão ideológica, de um grupo ultraminoritário (mas dominante na comunicação e muito hábil na manipulação dos respectivos grupos parlamentares) consumiu tempo, energias e recursos das instituições e da sociedade que poderiam ter sido mais bem empregues em procurar efectivamente dar a todos os portugueses condições dignas de assistência e saúde durante e no termo da sua vida. Porque se é verdade que a questão central na eutanásia é a possibilidade do poder tirar legalmente a vida a seus cidadãos, não o é menos que, como muito bem, sempre o sublinharam os comunistas, é absurdo que o mesmo Estado que não ajuda a viver, esteja disponível a ajudar a morrer.

Apelo assim aos promotores desta lei. A todos nos preocupa o fim de vida, o desamparo na velhice, o sofrimento e a dor. Concentremo-nos nesse trabalho. Mas se isso for muito difícil, pelo menos aceitem que os portugueses não querem uma lei da eutanásia e que as leis do país não a consentem. Como em outras situações da vida é chegado o tempo de perceber que um Não é um Não!

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