A Europa está em guerra porque a Rússia invadiu a Ucrânia. Mas, na medida em que esta invasão é uma injustificada agressão a um país soberano, esta guerra é, também, uma ameaça mundial à liberdade e independência de todas as nações livres do mundo.
Quem olhar para o mapa da Europa, não pode deixar de constatar uma evidência geográfica: Portugal e a Rússia ficam, praticamente, nos extremos ocidental e oriental do continente europeu. Mas, não obstante os milhares de quilómetros que separam estes dois países, há uma terra e uma mensagem que os une: Fátima.
Quando, em 1917, Nossa Senhora apareceu na Cova da Iria a três pastorinhos – São Francisco e Santa Jacinta Marto, e a Irmã Lúcia, ainda em processo de canonização – decorria a primeira Guerra Mundial. Os três videntes estavam a par deste conflito, por saberem de pessoas daqueles lugares que se encontravam a combater em França. O que não podiam saber, sendo crianças analfabetas, é que existia um país chamado Rússia que, depois da revolução de Outubro desse ano, se viria a chamar União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Entre essas repúblicas estava a Ucrânia que, por ter sido integrada com esse estatuto, e não o de uma mera província ou região, foi implicitamente reconhecida como nação e, portanto, potencialmente independente da Rússia.
Nas aparições de Fátima, foi pedida a consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria, que foi feita por São João Paulo II, em união com o episcopado mundial. Pouco depois aconteceu a sua inesperada conversão, pela pacífica implosão do regime comunista, na URSS e em todos os países do pacto de Varsóvia, a começar pela católica Polónia, pátria do referido Papa Karol Wojtyla.
Um ano antes das aparições marianas em Fátima, os mesmos três videntes foram protagonistas de outros acontecimentos de natureza sobrenatural. Segundo a Lúcia, foi “na primavera de 1916 que o Anjo nos apareceu a primeira vez na Loca do Cabeço”: “alguns momentos havia que jogávamos, e eis que um vento forte sacode as árvores e faz-nos levantar a vista para ver o que se passava, pois o dia estava sereno. Vimos então que sobre o olival se encaminha para nós um jovem dos seus 14 ou 15 anos, mais branco que fora neve, que o sol tornava transparente como se fora de cristal e duma grande beleza. Ao chegar junto de nós disse: Não temais, sou o Anjo da Paz. Orai comigo.”
É significativo que o ser angélico se identifique como sendo o Anjo da Paz. Na Bíblia só são revelados os nomes de três arcanjos: Miguel, o príncipe da milícia celestial; Gabriel, que anunciou os nascimentos de João Baptista e de Jesus de Nazaré; e Rafael, companheiro de viagem de Tobias. Portanto, a referência a um Anjo da Paz é inédita e, de certo modo, surpreendente.
Sobre a identidade do misterioso espírito, algo mais se disse, na sua segunda aparição. Conta a Lúcia: “Passado bastante tempo, em um dia de verão, brincávamos em cima dum poço que tinham meus pais no quintal, que chamávamos Arneiro. De repente, vimos junto de nós a mesma figura ou Anjo: ‘Que fazeis? Orai! Orai muito! (…). Atraí assim sobre a vossa pátria a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal’.” Lúcia disse tratar-se da “mesma figura ou Anjo”, que se identifica, porém, como sendo o Anjo da guarda de Portugal. Quer isto dizer que o Anjo da Paz e o Anjo de Portugal são a mesma e única pessoa?!
É da doutrina bimilenar da Igreja a existência dos Anjos da guarda pessoais, que Jesus refere, a propósito do escândalo dos mais pequeninos (Mt 18, 10). É da tradição multisecular a existência de anjos guardiões de comunidades, como os espíritos angélicos que custodiam as igrejas, reiteradas vezes referidos no Apocalipse. Contudo, não constava que também os países tivessem o seu próprio Anjo da guarda.
Em Portugal, no entanto, já em tempo de el-Rei D. Manuel I se festejava o Anjo custódio do reino. Mas esta comemoração tinha praticamente desaparecido nos princípios do século XX, tendo sido posteriormente restaurada, para ser celebrada, a nível nacional, a 10 de Junho, dia de Portugal.
Embora não conste que, em outros países cristãos, se tenha estabelecido esta particular devoção, não restam dúvidas de que todos os países, também os não cristãos, têm também anjos da guarda, por analogia com o que acontece com todas as pessoas, também as não-crentes. Por isso, tanto a Ucrânia como a Rússia têm os seus Anjos da guarda, que são, como acontece no nosso país, Anjos da Paz.
Esta conclusão teológica parece estar relacionada com um facto extraordinário, recentemente comprovado por vários ucranianos: “nos últimos dias, alguns perfis das redes sociais publicaram imagens de nuvens em formato de anjos sobre o céu de Kiev e de outras cidades da Ucrânia” (Aleteia, 7 e 8-3-2022). Não seria prudente dar excessiva importância a estes sinais, se não fossem tantos os testemunhos neste sentido e, sobretudo, se uma autoridade cimeira da Igreja ucraniana o não tivesse feito. Com efeito, segundo o mesmo serviço informativo, “o arcebispo de Kiev, Sviatoslav Shevchuk – líder da Igreja Greco-Católica Ucraniana – gravou um vídeo no qual se refere às possíveis imagens de anjos que apareceram no céu da Ucrânia”, assegurando que “muitas pessoas de toda a Ucrânia” lhe “disseram que viram anjos luminosos sobre a Ucrânia”. Não é de estranhar, se se tiver em conta que São Miguel Arcanjo é o padroeiro de Kiev, “que tem forte presença nos símbolos da capital ucraniana”. Em jeito de prece, o arcebispo Shevhuk, rezou: “Ó Arcanjo Miguel e todos os Poderes do Céu, lutai pela Ucrânia! Derrubai o demónio que nos está atacando, trazendo devastação e morte!”
A interpretação deste sinal depende da fé de cada um. Se bem que, também quem não crê na existência de Deus, tem fé: Dostoiévski disse que os seus compatriotas eram de tal forma crentes, que até alguns eram ateus! De facto, é preciso mais fé para acreditar que o mundo não tem causa nem explicação, do que para crer, racionalmente, que é obra de Deus. Como refere a Aleteia, “para quem crê na inexistência de Deus, tudo é e será sempre mero acaso e falta de sentido. Para quem acredita em Deus e no sentido sobrenatural da existência, tudo é e será sempre um grande milagre, testemunhado por uma abundância de sinais repletos de sentido”.
Que o Anjo da Paz, aparecido em Fátima, e os Anjos da guarda da nação mártir da Ucrânia e da invasora Rússia alcancem a paz para o mundo e o fim da guerra.