António Costa foi muito claro quando disse que “é muito difícil conceber como abrir uma atividade onde, por natureza, o afastamento físico não é possível”. E ainda acrescentou que “não só as discotecas têm de permanecer fechadas, como a invenção de discotecas informais (…) e aquilo que imaginação tem vindo a produzir, tem de ser evitado”. Isto foi dito na 5ª feira passada. Dois dias depois, milhares de pessoas juntaram-se em várias cidades do país para participarem numa actividade onde, por natureza, o afastamento físico também não é possível: manifestações.
António Costa fez bem em referir a imaginação dos jovens com vontade de beber copos e conviver. Já deve estar a funcionar. É certinho que, a partir deste fim-de-semana, vão começar as Festas Anti-Racistas. São festas iguais às outras, com álcool e música, mas em que os foliões, aliás, os activistas, intercalam a conversa normal de festa com palavras de ordem típicas de manifestações. Por exemplo, se estiverem na pista de dança, não basta gritar para o amigo: “Esta música é buéda fixe!” Isso é o que se diz numa vulgar discoteca. Para tornar esta cena aceitável, o que o bailarino deve dizer é: “Esta música é buéda fixe! É composta e interpretada por um artista negro, cuja vida vale tanto quanto a de um artista branco! Já agora, esse passo de dança que estás a executar, com o saracoteamento do quadril, é apropriação cultural”.
Obviamente, não são apenas os slogans anti-racistas que, de um sítio propício a contágios, transformam uma festa num local higiénico e seguro. Também podem ser mensagens de apoio aos trabalhadores, como as proferidas no comício do 1º de Maio, outra ocasião em que o contágio foi evitado. “És muita gira. Sabes o que não é giro? A precariedade. A não ser, claro, quando aplicada aos encontros sexuais fortuitos. Queres ir lá a casa ter uma relação precária de apenas 3 horas, sem renovação de contrato de trabalho?”
Esta técnica garante a não propagação do vírus. Depois de lavagem das mãos, do uso de máscara e do afastamento social, a nova estratégia aprovada pela DGS é a demonstração pública de preocupação social. Pelos vistos, há dois tipos de imunidade de grupo. Uma é a do grupo de pessoas que já teve a doença. A outra é a do grupo de pessoas que são mesmo virtuosas e boazinhas.
Ou seja, o divertimento inconsequente é perigoso e não pode ser permitido. O coronavírus, como os cães com o medo, fareja a felicidade. É atraído pela boa disposição. Só se aloja numa garganta aberta se estiver a gritar “It’s fun to stay at the Y-M-C-A!”. Se for “Black lives matter”, o vírus evita. É que o coronavírus é um microrganismo com sensibilidade social, que respeita ajuntamentos onde as pessoas são extremamente altruístas. Já aglomerações de ébrios, despreza.
Em princípio, António Costa não vai poder objectar a este tipo de discotecas informais. Aliás, para dizer a verdade, nem se percebe a sanha de Costa contra a informalidade. Se há coisa que pauta a governação de António Costa, é a ausência de formalismos. Ainda agora arranjou uma espécie de Ministro informal, para tratar informalmente da recuperação económica. Já para não falar do grupo de amigos que chamou para o Governo, gente com aquela qualidade política muito apreciada que é a de tratarem o PM por tu.
A última a chegar – mas a conquistar rapidamente a ribalta – foi Grança Fonseca, ministra da Cultura. Este fim-de-semana, Graça Fonseca negou-se a aceitar um barrete oferecido por um grupo de forcados. É conhecida a antipatia de Graça Fonseca pelo mundo tauromáquico, de maneira que se percebe a recusa. Porém, não foi apenas de um gesto de desprezo pela tauromaquia, mas sim pela cultura em geral. Se Graça Fonseca aceitasse a oferta, seria um barrete a receber um barrete. No fundo, tratar-se-ia de uma mise en abyme, técnica muito utilizada em várias formas expressão artística. Desde que é ministra, seria o mais próximo que Graça Fonseca estaria de contribuir para a arte. É natural que tenha enjeitado essa oportunidade.