O que aborrece nem é a criação do cargo de “secretário-geral”, coisa que parece saída directamente dum episódio de “Sim, Senhor Ministro”, mas que, com boa vontade, podemos acreditar que até viesse agilizar uns processos e poupar uns trocados ao erário público. Também não é tanto o salário obsceno de quase 16 mil euros, o dobro do do primeiro-ministro, para um lugar de responsabilidade infinitamente menor e de cujo processo de escolha os portugueses não têm o mínimo conhecimento. Muito menos a figura indigitada em concreto, ter sido ou não um dos rostos de algumas das medidas de austeridade mais difíceis que os portugueses tiveram de suportar – cada macaco no seu galho e não é oferecendo-se em martírio que alguém se faz bom gestor. O que aborrece mesmo, o que, para ser franco, até repugna um bocadinho, é o governo ter tentado fazê-la pela calada.

A nomeação para o cargo de secretário-geral, aparentemente tão importante para o país que até se entendeu dever ser a pessoa mais bem paga de todo o executivo, não encontrou, pelos vistos, melhor oportunidade para ser noticiada do que uma sexta-feira, 27 de Dezembro – e a respectiva remuneração, já agora, comunicada à parte, somente no dia seguinte, um sábado, entre o Natal e o Ano Novo. Isto já depois de se ter alterado à lei à pressa na véspera, a fim de permitir que a remuneração antes anunciada pudesse passar de cerca de cinco mil euros, mais mil em despesas de representação, para a auferida pelo nomeado enquanto consultor do Banco de Portugal. Sim, o que chateia mesmo é que o governo achou que esta ia passar despercebida posta ali entre o Natal e o Ano Novo, que está tudo de férias, em almoçaradas de família, em viagem, que ninguém ia dar a notícia, ou que se alguém desse, ninguém ia ouvir, ou que se ouvissem, eram de certeza só uns poucos e logo haviam de encolher os ombros e passar ao próximo naco de cabrito, à próxima rabanada, ao próximo Porto, ao abraço ao próximo primo da Suíça.

O que aborrece no caso Hélder Rosalino é se os governos já não se preocupam em se diferenciar uns dos outros e acham que podem mesmo tomar o povo por tolo. Porque, afinal, se o cargo era tão importante, se o vencimento era tão justo, se não havia nada a esconder, porque é que se mudou uma lei de véspera? Porque é que se escondeu o anúncio entre o Natal e o Ano Novo (já agora, véspera de um Sporting-Benfica, que também não terá calhado nada mal)?

O governo poderia iniciar uma discussão séria sobre os salários dos políticos, como parecia estar a fazer com a reposição, enfim, dos cortes que duravam há 15 anos, quando já todo o país recuperara há muito o direito a ver devolvidos os seus rendimentos e que deixou o Chega a falar sozinho com os seus truques de circo. Aliás, como o Presidente da Assembleia da República tentara também fazer há dias. Porque precisamos de ter essa discussão. Porque podemos e devemos querer ter políticos bem pagos e bem responsabilizados por isso. Mas o governo não quis. Preferiu fazer a coisa à antiga, com esperteza saloia.

Bem pode agora contar os milhões poupar uns milhões por ano com o desaparecimento das entidades que se iam fundir na secretaria-geral. Bem pode dizer que não se ia gastar nem um cêntimo a mais porque Hélder Rosalino ia continuar a ser pago pelo Banco de Portugal. Bem pode clamar que a culpa é do governador Mário Centeno que recusou continuar a pagar-lhe o ordenado (já agora, se a função de Rosalino é tão pouco essencial ao Banco de Portugal que até o podem emprestar ao governo, por que carga de água é que o banco central lhe paga quase 16 mil euros por mês, alguém sabe?). Bem pode o próprio Rosalino recusar agora a nomeação e dizer-se “indisponível” para o cargo. Ninguém sai bem desta história, muito menos um governo que queira ser levado a sério.

No fim, o que aprendemos foi que 16 mil euros podem ser muito ou pouco. São muito para um “secretário-geral” dum governo em que o primeiro-ministro ganha oito mil; são muito pouco para esse mesmo governo hipotecar toda a sua credibilidade. E são uma pechincha por uma campanha para as presidenciais, que é aquilo que Mário Centeno ainda não tinha bem montada e agora acaba de ganhar. Se isto não é Natal.

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