O primeiro-ministro veio ontem esclarecer-nos que, por detrás de cada incêndio, existe um problema estrutural. Dois dias antes, havia apelado à responsabilidade de “todos e cada um” para a prevenção de incêndios. Perceberam a mensagem? Para os leitores mais ingénuos, eu traduzo: assim que o risco de incêndios atingiu níveis elevados e reapareceu o inquietante espectro dos incêndios de Pedrógão Grande, o primeiro-ministro veio comunicar que, tanto ele como o governo, não poderiam ser responsabilizados por qualquer tragédia – que, esperamos todos, não venha a ocorrer.

Não vou cometer a injustiça de contrariá-lo e dizer que sim, António Costa seria responsável, até porque prefiro confiar que estamos suficientemente preparados para evitar o pior. Mas vou salientar isto: na imprensa, leio vários peritos a lamentar que desde 2017 muito pouco tenha sido feito para melhorar a segurança nas zonas florestais. O que me leva ao meu ponto: fico arrepiado de cada vez que ouço o primeiro-ministro ou algum membro do governo mencionar que determinado problema é “estrutural”. Porquê? Porque já se percebeu que os problemas estruturais são aqueles que ficam para o próximo (ministro, governo, partido) resolver.

No jargão da política portuguesa, poucas palavras têm um significado tão subtilmente perverso como “estrutural”. No dicionário, o termo significa “fundamental”, ou seja, algo que está nas estruturas de determinado sector. Nos discursos políticos, aplicado a “problemas estruturais”, significa algo bastante distinto: aquilo que fica sempre na mesma e em relação ao qual o governo se esforça para não ser responsabilizado. Não ser responsabilizado pelo passado – ao ser estrutural, o problema vem de trás e prevalece devido à inacção de todos (i.e. a culpa é de todos). E também não ser responsabilizado no presente ou futuro próximo – ao ser estrutural, a resolução do problema assume-se complexa e longa, não sendo justo exigir ao governo soluções imediatas. Eis o bode expiatório perfeito para que nada mude e as reformas nunca se façam.

Tem sido assim na saúde, para desculpar o caos nas urgências e pedir aos portugueses que não adoeçam no Verão. Tem sido assim com os transportes, por exemplo para justificar as indecisões quanto ao novo aeroporto e dizer que tudo depende de acordos com o PSD. Tem sido assim com a seca, para pedir aos portugueses que poupem água. Tem sido assim na energia, onde o preço dos combustíveis está a ferir vários sectores de actividade (como o agro-alimentar). Estes exemplos, todos do último mês, ilustram o ponto: o que é estrutural não tem solução à vista e, em última instância, o ónus de responsabilidade recai sobre os ombros dos cidadãos.

Só que tudo tem um fim. Desde logo, a paciência. Esta compreensão de “estrutural” está associada a tempo e, no caso de António Costa, tempo não lhe tem faltado. Eis o problema dos socialistas: o sacudir de responsabilidades tem um limite temporal e se o novo governo de Costa já parece velho é porque esse limite temporal foi atingido. Daqui a uns meses, o PS somará 7 anos ininterruptos a governar e António Costa pode, se cumprir este seu terceiro mandato, permanecer 11 anos em São Bento. O país sofre de inúmeros problemas estruturais? Claro que sim. O preocupante é que nenhum se resolve: após 7 anos de governo de António Costa, os desafios são os mesmos que existiam em 2015 e, em muitos casos, ampliados e agravados.

Um inquérito recente sinalizou que os portugueses querem reformas estruturais, mas que não acreditam que o governo as faça. Parece-me que têm boas razões para pensar assim. Mas, precisamente por isso, não devemos deixar de reclamar por essas reformas estruturais e de exigir mais de quem nos governa. Está na hora de se falar menos em problemas estruturais e mais em soluções. Ou seja, está na hora de contrariar o imobilismo e pedir respostas para as necessidades efectivas em cada sector. É que, 7 anos depois, já não há paciência para quem foge sucessivamente às suas responsabilidades.

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