A presidência portuguesa correu melhor em Bruxelas do que em Portugal. É pena, mas era expectável.

Na política europeia, para alguma coisa correr bem é preciso que haja o maior consenso possível. Na política nacional, para alguma coisa ser visível é preciso que haja confronto. É por isso que em Portugal, sobre a presidência portuguesa da União Europeia, se discute o que foi controverso, enquanto que em Bruxelas se nota, sobretudo, aquilo em que se conseguiu avançar. Esta é uma das coisas mais difíceis de perceber sobre União Europeia: é que sendo uma união de 27 Estados soberanos só se avança se todos, ou a maioria, conforme os casos, estiverem de acordo. O modelo de imposição não funciona. E o do confronto também resulta pouco. Às vezes, até os alemães que o digam.

O verdadeiro balanço da presidência portuguesa deve ser feito a partir daquilo que seria expectável e desejável e não tanto apenas em função do que foi ou não foi mediático.

O primeiro grande sucesso da presidência portuguesa da União Europeia é o mesmo de todas as presidências e tem que ver com o simples facto de existir. Enquanto as presidências rotativas se mantiverem, a lógica de que há uma igualdade absoluta entre os Estados, que tanto Malta como a Suécia podem presidir às reuniões e procurar consensos entre os Estados-membros, continuará a ser uma pedra basilar da União. No dia que isso deixar de acontecer, os Estados-membros terão alguém que preside permanentemente aos seus trabalhos, um Charles Michel em cada reunião, um presidente do conselho de administração da União Europeia acima de todos os governos e países.

A outra virtude desta presidência, que é igual em quase todas as outras, é que durante este tempo, e este tempo inclui vários meses antes e depois, a administração pública nacional cruza-se e conhece os dossiers das políticas europeias de uma maneira muito mais detalhada. Sabendo-se que aquilo que importa para economia e para a regulação de imensas atividades em Portugal, e nos outros Estados-membros, é decidido à volta das mesas em Bruxelas, a importância deste exercício é enorme. Sendo que nem sempre as administrações públicas e os privados sabem aproveitar o que fica dessa experiência. O que não é de estranhar, quando em Portugal, e noutro contexto, tiramos muito menos partido do que devíamos da experiência do único português que presidiu à Comissão Europeia, Durão Barroso.

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Para lá destas virtudes repetidas, os maiores sucessos da presidência portuguesa dividem-se em dois grandes tipos de iniciativas: os assuntos que foram tratados com rapidez, que são importantes e que vão deixar marcas, como é o caso da Lei do Clima, do certificado digital (isto se a Alemanha e outros confiarem no nosso, por exemplo) e do processo de aprovação dos recursos próprios e dos planos de recuperação e resiliência nacionais; e aqueles temas que andavam há anos a marinar e ficaram agora resolvidos. O caso mais paradigmático entre estes é a resolução do tema do Blue Card, o visto para imigrantes especialmente qualificados. Ao fim de cinco anos, este processo, que não devia ser complexo, ficou finalmente tratado. A demora diz muito sobre a dificuldade de tratar este tema na Europa. Mas também se pode elogiar a conclusão da reforma (mais uma) da PAC, ou a cimeira com a Índia.

O pior da presidência portuguesa está sobretudo quando podíamos e devíamos ter deixado uma marca e não conseguimos. Num caso, o (não) acordo Mercosul, porque é praticamente impossível enquanto a França não quiser; noutro, porque fomos claramente ultrapassados. Portugal não conseguiu que Charles Michel (é dele a prerrogativa) tratasse de organizar uma cimeira UE-África, nem a nossa presidência organizou nada que se parecesse. Enquanto isso, e nas nossas barbas, Emanuel Macron juntou financiadores, doadores e beneficiários do lado de cá e de África e fez um enorme encontro apesar de todos os constrangimentos da pandemia e do online. Ou seja, Macron quis falar com África estando no topo da mesa, e aproveitando que os britânicos não estão na União Europeia, e conseguiu. Portugal, não.

O mais mediático e que o governo quis mostrar ao país para deixar uma marca política e ideológica, mas menos relevante em consequências reais, foi a Cimeira Social do Porto. Foi importante, mas houve coisas que deram muito menos nas vistas e importaram muito mais.

E depois, claro, o controverso. A presidência começou mal, não por alguma coisa que tivesse que ver com a gestão da presidência, mas porque o episódio de nomeação portuguesa para a procuradoria europeia embaraçou evidentemente o país. E, além do embaraçoso episódio dos manifestantes russos, terminou mal, embora injustamente e numa manifestação de desconhecimento do que são os termos e as práticas de uma presidência, porque a questão da neutralidade na discussão sobre a lei húngara não foi bem explicada e houve quem quisesse que fosse mal percebida.  Este caso, que provocou a irritação manifesta da secretária de Estado dos Assuntos Europeus, tem, ainda assim, um lado positivo. Mesmo que exibindo desconhecimento, a vontade de fazer algum escrutínio ao que os representantes de Portugal defendem nas reuniões europeias faz-nos tanta falta que mesmo que seja com questões equívocas, pode ser que seja um começo até que um dia estaremos a discutir política europeia em Portugal e não política portuguesa com dinheiros europeus. Que é o que habitualmente fazemos. Até aos próximos seis meses de presidência faltam 14 anos, se não entrar nem sair ninguém.

Henrique Burnay (no twitter: @HBurnay), consultor em assuntos europeus, é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Madalena Meyer Resende, João Diogo Barbosa e Bruno Cardoso Reis. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00. 

As opiniões aqui expressas apenas vinculam o seu autor.

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