O caso Groundforce merece ser de novo revisitado pelos dados que se conheceram durante as últimas semanas. Um ministro demasiado interventivo e que parece gostar de tratar os assuntos na praça pública não iliba um accionista privado que é mais um lamentável exemplo de capitalistas sem capital, como já parece ser a sina de Portugal. O que é que se soube?

Uma das novidades é que as acções de Alfredo Casimiro na Groundforce estão dadas como penhor ao Montepio e ao Novo Banco, como se pode ler no Observador e na Sábado. Razão pela qual não foi possível avançar com a proposta inicial da TAP, de realizar um empréstimo intercalar, ao que está a ser negociado desde o ano passado, tendo como garantia essas acções.

Sobre o negócio realizado em 2012, ficámos ainda a saber que Alfredo Casimiro pagou a compra da Groundforce à TAP por via de um empréstimo do Montepio que recebeu as acções como garantia, como nos conta Bruno Faria Lopes no artigo da Sábado. E que o pagamento final de um negócio realizado em 2012 só se completou em 2018. Também ficámos a saber que no quadro do acordo de venda, a Groundforce pagou à Urbanos – na altura a accionista da empresa – comissões de gestão de 1,5% da facturação.

No artigo de Ana Suspiro e Nuno Vinha no Observador sabemos ainda que as acções são dadas em segundo penhor ao Novo Banco, na sequência da renegociações de um crédito do grupo Urbanos, a empresa de Alfredo Casimiro que entretanto está em Processo Especial de Revitalização (PER).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Resumindo: a Groundforce foi comprada por um capitalista sem capital, usando as acções da empresa que ia comprar como garantia para obter o financiamento para a pagar. E melhor ainda, ficou a receber uma comissão de gestão que a prazo ultrapassaria o que (não) pagou pela empresa. Mesmo isso não foi suficiente para se libertar das garantias e ter as acções livres de ónus. Pior, usou a empresa para os seus problemas passados com a Urbanos.

Quem se lembra da Urbanos, ainda no tempo em que Ricardo Salgado era o “Dono Disto Tudo”, recorda-se do seu crescimento meteórico. Lisboa parecia invadida por aquele azul. Não acabou bem, como se percebe, e viu-se até envolvida no caso BES como se pode ler neste artigo de Carlos Rodrigues Lima na Sábado. Numa caixa forte climatizada, arrendada pela Urbanos, estavam mais de 136 obras de arte de Ricardo Salgado.

Haverá ainda muito por perceber neste caso, nomeadamente na guerra que envolve a TAP, o ministro Pedro Nuno Santos e Alfredo Casimiro para apoiar a Groundforce. Mas o que já sabemos até agora permite-nos concluir que nenhuma das partes está isenta de responsabilidades na forma como este dossier tem sido gerido. As criticas a Pedro Nuno Santos já foram feitas aqui. Com o que soube até agora, é preciso olhar também para o accionista privado.

Infelizmente para o País, este é mais um exemplo de capitalistas sem capital que vivem à sombra do dinheiro dos bancos e que, quando as coisas correm mal, exploram até ao limite as fragilidades que qualquer governo tem. É óbvio que este Governo, ou qualquer outro, não quer ver mais de duas mil famílias sem salário. Podia deixar cair a empresa? Podia, se o custo de colocar de pé uma empresa de handling não fosse enorme e não pusesse em causa a recuperação da própria TAP e do tráfego aéreo em Portugal. São essas as armas que Alfredo Casimiro sabe que tem. É um caso semelhante ao de “free riding”, de ter uma posição em que as perdas da TAP são tão grandes que a Groundforce e, por essa via, o seu accionista privado, estão protegidos da ameaça de falência.

E tem essas armas primeiro pela insensatez de a TAP se ter colocado nas mãos de apenas uma empresa, sendo simultaneamente cliente e accionista. E também pelo negócio que foi feito em 2012. Como foi possível vender a empresa a um accionista sem experiência no sector nem dinheiro, especialmente quando se tinha um concorrente, a Aviapartner, que conhecia o negócio? Terá sido, mais uma vez, porque não havia dinheiro? Não se percebe e é assim que se criam capitalistas sem capital.

Também não se entende como é que a empresa chegou a este ponto quando também ela poderia ter-se candidatado às ajudas de Estado no âmbito da pandemia. A Aviapartner, por exemplo, foi autorizada, em Julho de 2020, a receber uma ajuda do Estado belga, no âmbito das regras Covid, através de um empréstimo convertível, no montante de 25 milhões de euros.  Porque é que a Groundforce e o Governo não fizeram um pedido semelhante? Uma das versões é que o accionista privado nunca deu a informação que era necessária para se construir o processo de financiamento, neste caso envolvendo a CGD e o Banco de Fomento, para depois de pedir a autorização a Bruxelas. Alfredo Casimiro diz o contrário, nomeadamente no Parlamento.

As circunstâncias excepcionais em que vivemos, com as empresas a serem afectadas por um problema de saúde pública, justificam medidas também de excepção em matéria de ajudas de Estado. A própria Comissão Europeia o reconheceu ao criar um regime excepcional de ajudas de Estado. Todos os Estados-membros o estão a fazer, alguns até de forma muito significativa, como é o caso da Alemanha – dos 3,1 biliões de euros de ajudas já aprovadas pela Comissão Europeia, a Alemanha absorve 51% como se pode ler no Euractiv. São apoios a aeroportos, empresas de “handling”, companhias aéreas, restaurantes, alojamentos turísticos e o sector da cultura. Nada contra já que a paragem da actividade não é da responsabilidade dos empresários, mas sim da pandemia. E, além disso, é preciso manter a capacidade produtiva pronta para a recuperação. É para isso que o Estado também serve.

Mas a situação excepcional que justifica as ajudas do Estado não pode servir para continuarmos a alimentar capitalistas sem capital ou capitalistas que só o são por causa do Estado. A Groundforce não pode fechar porque a TAP se colocou nas mãos dela e o sector do turismo depende, pelo menos em parte e assim se acredita, da companhia aérea portuguesa. Mas não salvar a Groundforce é uma coisa, salvar o accionista privado é outra.

Tem de existir um momento em que fazer negócios com o Estado também é bom para o Estado, que somos todos nós contribuintes. Depois de tudo isto passado é tempo de a TAP ser privatizada de novo e vender também a totalidade da sua participação na Groundforce. Misturas de papéis, accionista, cliente e soberano, é sempre um péssimo negócio para o Estado. E é tempo também de deixar de alimentar capitalistas sem capital.