A melhor maneira de ganhar as discussões não é ter bons argumentos, mas é definir os termos da discussão de maneira que, por melhores que sejam os argumentos da parte contrária, ela nunca possa ganhar. É isso que fazem os inimigos das democracias ocidentais, que, logicamente, são também os inimigos do Estado de Israel, a única democracia no Médio Oriente. Por isso, antes de discutirmos os casos de Gaza ou de Ceuta, convém começar por contestar o modo como os inimigos da democracia e os seus idiotas úteis colocam as questões.

Sobre Gaza: não, o conflito não é entre Israel e os chamados “palestinianos”, mas entre Israel e a organização terrorista Hamas, que usa a população da Faixa de Gaza como escudo humano nos seus ataques contra Israel. Sim, os habitantes judeus e árabes da Palestina têm direito a Estados separados e independentes, conforme a Resolução 181 da ONU, só que não é isso que o Hamas pretende, mas a destruição do Estado judeu. É por isso, aliás, que tendo potências inimigas de Israel ocupado o território correspondente ao Estado árabe entre 1948 e 1967, jamais fizeram qualquer diligência para estabelecer esse Estado: o que lhes importava era — e é — a erradicação de Israel, e não a autonomia dos árabes.

Sobre Ceuta: não, o que está em causa não é a política de imigração ou de asilo da Comunidade Europeia, mas o recurso a massas de migrantes pelo Reino de Marrocos como meio de demolir as fronteiras espanholas. Sim, talvez a UE precise de discutir as suas políticas de asilo e de imigração. Só que não é obviamente isso que move o Reino de Marrocos ao despejar migrantes em Ceuta, mas punir a Espanha por ter acolhido um dos líderes da resistência contra a ocupação marroquina da antiga colónia espanhola do Sahara (o Sahara espanhol) — um caso que faz lembrar o de Timor-Leste, e é da mesma época.

É tudo isto que a utilização das populações como arma confunde. Israel tem direito a existir e portanto a defender-se. Mas o Hamas, ao forçar os habitantes de Gaza a servir de protecção às suas bases, tenta garantir que, se quiser defender-se, Israel terá de fazer baixas civis, e parecer cruel. Os Estados europeus têm direito a fronteiras internacionalmente respeitadas. Mas ao organizar invasões de crianças, o Reino de Marrocos procura obrigar a Espanha, para defender as suas fronteiras, a reprimir menores, e a parecer desumana.

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Numa semana, compreendemos o que espera as democracias ocidentais. Não vai ser fácil. O Ocidente está, no Médio Oriente e no Norte de África, confrontado com movimentos e regimes que usam literalmente a população como carne para canhão. A maior dificuldade em lidar com esses movimentos e esses regimes está na sua ideia de que têm a demografia, e também a psicologia do seu lado. A demografia têm certamente. Em 1960, a Europa Ocidental tinha 152 milhões de habitantes, e o Médio Oriente e o Norte de África, 80 milhões. Hoje a Europa Ocidental tem 196 milhões, e o Médio Oriente e o Norte de África, 470 milhões. Esta inversão da relação de forças demográficas é um dos grandes temas dos movimentos e dos regimes do outro lado do Mediterrâneo. É essa suposta vantagem populacional que os anima na sua recusa da paz e da democracia. Estão certos de que um dia, com o crescimento da população árabe e muçulmana em Israel e, através da imigração, na Europa Ocidental, irão subverter e dominar o Ocidente.

Não é, porém, a única vantagem que julgam ter sobre os ocidentais. Segundo eles, o Ocidente dispõe sem dúvida de superioridade tecnológica. Mas estaria tolhido no uso desse poder. Primeiro, pelo culto pós-religioso da vida humana individual, que teria tornado o Ocidente incapaz de suportar a morte e o sofrimento, tanto dos seus como dos outros; segundo, pelo sistema democrático, que não só o sujeitaria a discussões inconclusivas, mas à propaganda dos seus inimigos. Movimentos e regimes sem escrúpulos em provocar morte e sofrimento, tanto entre o inimigo como entre as populações que dominam, poderiam assim compensar a sua inferioridade tecnológica. Bastar-lhes-ia confrontar as democracias ocidentais com opções que coloquem em causa os seus valores humanitários, e esperar que os decorrentes debates, ajudados pela propaganda anti-ocidental, paralisem qualquer vontade de defesa. Por isso, o Hamas submete a população de Gaza à guerra, e Marrocos expõe crianças ao risco de afogamento.

A Ocidente, nunca as águas terão estado tão turvas. A extrema-esquerda acedeu nos últimos anos à área do poder em vários países. Nas universidades e na imprensa, tornou-se aceitável equiparar o único Estado  de direito democrático do Médio Oriente à Alemanha nazi, ou interpretar a integridade das fronteiras dos Estados democráticos ocidentais como indiferença pela humanidade. A questão das fronteiras é uma boa introdução ao caos actual. Sim, o Ocidente tem muito a ganhar com a imigração. Mas imigração não é o que vimos em Ceuta. Não é possível ter sociedades bem ordenadas se estiverem sujeitas a influxos populacionais súbitos e desordenados, como o território espanhol, que num dia foi submetido a uma massa invasora equivalente a 10% da sua população. A multiplicação deste tipo de acontecimentos só poderia resultar no colapso do Estado e dos serviços públicos e no aumento da ilegalidade, da insegurança e da miséria, sem benefícios para quem está nem para quem chega. Os governos ocidentais sabem isso. Mas não têm coragem para protagonizar esse lado do debate em público. Um dos efeitos desta cobardia foi a sub-contratação da defesa de fronteiras a regimes como o da Turquia e de Marrocos, encarregados de reter os migrantes do outro lado do Mediterrâneo. Como seria de esperar, esses regimes já perceberam o poder de chantagem que lhes foi dado. Agora, sabem que podem abrir e fechar a torneira das migrações para obterem o que querem da União Europeia.

Entre os bem pensantes do Ocidente, é hoje de bom tom ter muito medo da China ou da Rússia. As democracias ocidentais não deveriam, porém, subestimar a ameaça destes movimentos e regimes do Mediterrâneo. Sobretudo, convém-lhes não deixar que esses movimentos e regimes consigam transformar em fraquezas aquilo que são aquisições civilizacionais importantes para toda a humanidade, como o humanitarismo e a democracia. É preciso que esses valores continuem a ser uma força.