Lendo todas as comunicações oficiais do PCP sobre o ataque do Hamas em Israel (nota do gabinete de imprensa no dia 8, declaração de membro da comissão política do Comité Central no dia 11 e Voto de Pesar proposto na AR no dia 12) fica-se com a ideia de que falta ali qualquer coisa. Só à terceira ou quarta leitura é que se percebe: as comunicações oficiais sobre o ataque do Hamas em Israel não falam sobre o ataque do Hamas em Israel. São reacções ao que se passou no dia 7 de Outubro que não referem o que se passou em Israel no dia 7 de Outubro.

Encontrar uma referência ao Hamas é mais difícil do que encontrar uma agulha num palheiro se todas as agulhas do mundo tivessem sido destruídas. É como jogar ao “Onde está o Wally?” sem abrir o livro. O PCP também não fala em “massacre”. Deve considerar que é ontologicamente impossível os israelitas serem vítimas de um massacre, porque massacre tem “massa”, que é calão para “dinheiro” e toda a gente sabe que os judeus adoram dinheiro.

Parece um relatório policial sobre violação em que não se fala no violador, apesar de se referir que a vítima estava de mini-saia e com um sorriso bem atrevido. Lembro-me destes exercícios de um curso de escrita criativa que frequentei. «Descreva um elefante sem usar “tromba”, “marfim” e qualquer conjugação do verbo “ser”».

Mas a verdade é que, com maior ou menor dificuldade, o PCP é bem sucedido e lá consegue transmitir a mensagem. Que é, na linguagem formal e ideológica dos comunistas, um “Toma, toma! Bem feito!” daqueles que as crianças costumam usar no recreio quando consideram que o coleguinha mereceu o castigo divino por ter passado à frente na fila do escorrega.

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Utilizando a versão comunista dos 6 graus de separação, o PCP consegue ligar qualquer tema aos Estados Unidos da América. Daí encontrarmos nos comunicados os habituais anti-capitalismo e anti-ocidentalismo. A diferença é que, desta vez, vêm acompanhados pelo velhinho anti-semitismo. É curioso que, tendo os portugueses expulsado os judeus há mais de 500 anos, ainda se lembrem de como é que se pratica. Pelos vistos, o anti-semitismo é como andar de bicicleta. Não temos contacto com judeus para treinar, mas ainda sabemos como é se faz. Lembra o fenómeno do membro fantasma que acontece às pessoas que amputam uma perna mas continuam a sentir comichão no pé. O judeu não está lá, mas ainda assim aborrece.

É verdade que, no que ao anti-semitismo diz respeito, o militante comunista tem vantagem sobre o português comum. À falta de judeus locais, os comunistas podem recorrer à memória histórica do anti-semitismo na União Soviética para se inspirarem. De qualquer modo, é uma proeza conseguirmos produzir anti-semitas com tanta qualidade. Imaginemos que não havia bolas de futebol em Portugal, mas mesmo assim criávamos o Cristiano Ronaldo. É este o nível de excelência de que se está a falar.

Não é só na distinção que faz entre vítimas israelitas e vítimas palestinianas que o PCP mostra a sua incoerência. A indignação selectiva ultrapassa as fronteiras do Médio Oriente. Por exemplo, os comunistas conseguem protestar contra a destruição indiscriminada de edifícios em Gaza, mas estão caladinhos que nem ratos quando se trata da demolição igualmente injustificada de uma casa em Aveiro.

O caso da vivenda Aleluia tem passado despercebido, mas resume-se a isto: há uns anos, o proprietário da vivenda que servia de sede ao PCP em Aveiro quis demolir a casa para construir um prédio. O PCP, na Assembleia Municipal, opôs-se ao projecto, com o argumento da defesa de um património arquitectónico único. Sem hipótese de rentabilizar a propriedade, o dono vendeu-a então ao PCP. Passados uns tempos, o PCP já aceita o licenciamento do projecto na Câmara, o que lhe permitiu vender a vivenda a um promotor, ganhando bastante dinheiro com isso. Aquilo que na cartilha comunista cai no âmbito da “especulação imobiliária” e é vigorosamente censurado.

Em sua defesa, o PCP afirma que não fez qualquer negócio imobiliário, que o responsável pela construção e venda dos andares é o novo proprietário, com quem o partido apenas fez uma permuta. Ao que parece, trocou princípios por dinheiro.

Ou seja, o PCP prova que não é um monólito ideológico. Com jeitinho, consegue mudar de ideias. Basta apresentarem-lhe argumentos sólidos e razoáveis. De preferência em cheque visado. O que significa que, se houver dinheiro ao barulho, é possível que ainda venha a emitir um comunicado em que nomeia o Hamas. Se a maquia for considerável, quem sabe até se não chega até a criticá-lo. Proponho então fazer uma vaquinha para que o PCP permute de posição. Eu entro com mil euros. Mais alguém?