Estive a fazer contas e reparei que há quase 6 meses que não me alivio aqui de um pouco de anti-comunismo primário. É imenso tempo. De vez em quando, convém vazar o caixote de anti-comunismo, não vá o mais antigo começar a encrustar-se nas paredes. Depois só sai com aguarrás. Confesso que não percebo esta minha preguiça em fazer pouco de comunistas. É capaz de ser fastio. Há demasiadas razões para ser anti-comunista e eu pareço uma criança no corredor de bolachas de um supermercado (num país não comunista, claro). É tramado escolher. Por exemplo, como estamos em Novembro, posso recordar algumas façanhas do comunismo que se comemoram neste mês, como a Revolução Russa (um sucesso!), o Holodomor (idem!) ou o 25 de Novembro (não correu tão bem na altura, mas agora diz que é vintage). Além dessas efemérides, há a recente nomeação de Paulo Raimundo para vencedor das eleições para Secretário-Geral, a que se juntou a polémica em torno da sua biografia e do uso do termo “operário” para descrever um “burocrata” – o que, francamente, só escandalizou quem ainda não tinha percebido que o PCP também usa “operação” para “guerra” e “democracia” para “Coreia do Norte”.

No frenesim mediático a que Paulo Raimundo teve de se submeter para passar de “aquele desconhecido careca que é o novo boneco de ventríloquo da Comissão Política do Comité Central” para “aquele careca chamado Paulo que é o novo boneco de ventríloquo da Comissão Política do Comité Central”, destacou-se esta afirmação, no podcast “Perguntar não ofende”: “Não temos qualquer país capitalista no mundo, desde o mais pequeno ao maior, que tenha tido o objectivo concretizado de acabar com a fome. É um facto. A China, independentemente da forma como olhamos para ela, este objectivo foi traçado e foi concretizado”. Foi uma declaração que mostrou as dificuldades que Paulo Raimundo, com pouca experiência em lidar com a comunicação social, ainda tem em fazer-se entender. Houve quem achasse que Paulo Raimundo tinha dito que não havia fome na China, o que é uma crítica injusta, pois nem o mais aldrabão dos comunistas seria capaz de tentar impingir essa peta. Obviamente, o que Paulo Raimundo pretendia dizer era que a China acabou com a fome, no sentido em que já não a utiliza como ferramenta política. Essa já é uma declaração aceitável. De facto, há algum tempo que o PCC não mata de fome propositadamente. Até porque agora dispõe de outros meios mais discretos. No, fundo, a China não acabou com a fome. Deixou foi de causar a fome. Paulo Raimundo vai aprender a navegar estas subtilezas semânticas que são a base da comunicação do marxismo-leninismo.

Porém, se tiver de eleger um predilecto, não é nenhum destes temas que hoje anima o meu anti-comunismo primário. É antes esta notícia do Expresso, de dia 18: Cortes de pessoal ajudam finanças do PCP.

Trata-se de uma notícia tão favorável para o PCP, que podia perfeitamente estar no caderno de Economia. Começa logo pelo título. “Cortes de pessoal ajudam finanças do PCP” é jargão financeiro para o habitual estribilho “o capital expropria o trabalho”. Só que, desta vez, apresentado como aspecto positivo. Depois, logo a abrir, somos informados que “o PCP gastou, no ano passado, €2,6 milhões para pagar os salários dos seus funcionários, o que representa uma quebra de 17% face ao ano anterior”. Ou seja, o PCP está a despedir gente. Por outro lado, “(…) foi também graças a esta redução que as contas do PCP apresentaram, em 2021, um recorde estatístico e um saldo positivo de €1,6 milhões”. Ou seja, o PCP está a despedir gente e isso é muito bem jogado. Incrível. Está explicado porque é que o patronato nunca votaria nos comunistas para liderarem o país: os patrões querem os comunistas livres de incumbências, para os poderem contratar para as suas empresas. Uma companhia gerida pelo camarada responsável pelas contas do PCP não só dá lucro, como não tem contestação laboral.

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O máximo que se ouviu a um funcionário do PCP foi, curiosamente, ao próprio Paulo Raimundo, na RTP, a lamentar o que o aumento da prestação da casa vai fazer ao seu orçamento doméstico. Recorde-se que o salário de um colaborador do PCP anda à volta dos 750 euros líquidos. Quer dizer, na realidade é um pouco menos. Segundo o Expresso, “Este ano, o partido vai mais longe e propõe, «com a mesma audácia e confiança», que os militantes entreguem «um dia de salário ao partido», a somar à quota habitual que já pagam (e que tem como referência 1% do ordenado), mais a contribuição sindical (com o mesmo valor de referência) e a obrigatória assinatura do «Avante!», que custa €64 por ano ou €65 para quem preferir a versão digital.” Ora, se um dia de salário são 34 euros (750 euros a dividir por 22 dias úteis), 1% do ordenado são 7,5 euros e a assinatura do Avante! vale 5 euros por mês, tudo somado dá 46,5 euros. Logo, na realidade, um funcionário do PCP, responsável por andar a entregar panfletos a exigir o aumento do salário mínimo para o valor digno de 850 euros, acaba por receber uns indignos 703,5 euros. Conseguir que um funcionário funcione assim é uma medida de gestão que tem de ser ensinada num daqueles MBA caros na Nova School of Business and Economics and Stuff. O CFO do PCP devia andar a fazer palestras sobre liderança motivacional. Se pensar no dízimo que pode sacar dos cachês, de certeza que o Partido não se opõe.

A mestria da gestão comunista também se vê nestes indicadores económicos: embora a redução da despesa com funcionários entre 2005 (primeiro ano da liderança de Jerónimo) e 2021 tenha sido de 41% (de 4,5 para 2,6 milhões de euros), a redução do património global do PCP no mesmo período foi de apenas 19% (de 23,3 para 18,7 milhões de euros – atenção, que estes valores são aquelas ninharias que aparecem na factura do IMI, nem sequer são os valores que se obtêm no mercado. Na realidade, estes 18 milhões devem ser alguns 180 milhões que o PCP tem em prédios). O que quer dizer que, sem levantar ondas, o PCP foi mandando malta para a rua em vez de descapitalizar um bocadinho só para preservar postos de trabalho. Aqui se vê o génio dos comunistas. Mantêm a fortuna ao mesmo tempo que correm com empregados – que, ainda por cima, são famosos por serem particularmente contestatários. Por exemplo, bastava o PCP vender um imóvel por 750 mil euros (valor patrimonial de 100 mil euros), ainda ficava com muitos milhões, e só essa operação dava para pagar a 71 funcionários durante um ano. Era muito giro, mas o que é que o Partido ganhava com isso? Assim, consegue fazer o mesmo trabalho com menos gente e, ao mesmo tempo, aumenta o número de desempregados para poder atirar à cara do Governo. É juntar o útil ao agradável.

O PCP é tão bem gerido que, se quisesse, tinha lugar num daqueles índices bolsistas, tipo NASDAQ-100 ou S&P-500. Podia perfeitamente ser a empresa estrela do PSICOPATA-20.