Por uma daquelas coincidências felizes, o ataque orquestrado pela Mossad aos pagers e aos walkie talkies dos militantes do Hezbollah no Líbano aconteceu ao mesmo tempo que em Portugal se tem debatido a necessidade de retirar os dispositivos móveis das escolas. Como pai desesperado que já gastou todas as ideias para afastar as crianças dos telemóveis, estou por tudo. Esta estratégia pode parecer um bocado radical, mas a verdade é que durante os próximos tempos os soldados do Hezbollah vão pensar duas vezes antes de pegarem em qualquer tipo de traquitana tecnológica. Não serão os únicos. O exemplo contagia. Para já, a Guarda Revolucionária Iraniana acaba de proibir o uso de qualquer aparelho de comunicação. Longe dos seus telemóveis, esta rapaziada pode virar-se mais para actividades ao ar livre, como perseguir mulheres que não tapam o cabelo. É mais saudável do que estar horas a fio a ver vídeos de dancinhas no Tik Tok ou a actualizar o perfil do Instagram com fotos de homossexuais espancados e dissidentes na forca. Entretanto, mostrei as imagens das explosões à minha filha. Só saberei se fez efeito quando ela parar de chorar.

Esta complexa operação militar israelita deixa-me dividido. Enquanto cidadão do mundo, estou apreensivo com a escalada de violência e consternado com o acumular de vítimas civis inocentes. Enquanto cidadão português, estou com inveja. Irrita-me que o nível de organização necessário para coordenar um atentado destes não esteja ao alcance do nosso país.

Para montar este ataque, Israel precisou de criar uma empresa húngara que adquiriu os pagers do fabricante em Taiwan, tendo-os modificado e vendido ao Hezbollah através de uma outra empresa, também de fachada, desta feita búlgara. Ou seja, ao mesmo tempo que estão assoberbados a defender o seu país, os serviços secretos israelitas ainda têm tempo para tratar do processo de criar e gerir não uma, mas duas empresas europeias. Obviamente, nunca poderiam utilizar uma firma portuguesa. A burocracia paralisante dos nossos serviços ia emperrar de tal forma a operação que os israelitas teriam de a cancelar.

Só o registo da empresa ia obrigar à vinda de uma equipa inteira de especialistas em criptografia para perceber os regulamentos. Depois, em licenças, taxas, depósitos, seguros e impostos teriam de gastar uma fortuna que, sinceramente, duvido que o orçamento de defesa israelita tenha capacidade de suportar. Para start ups ainda servimos. Para blow ups é que não.

Mas nem tudo é mau para Portugal. O género de empresas de fachada que os israelitas montaram, que fingem manter actividade económica só para disfarçar, precisa de um tipo de testa-de-ferro que imite diligência enquanto não faz nada durante 10 anos – o tempo em que a empresa húngara esteve operacional, por exemplo. Numa próxima oportunidade, Israel poderá perfeitamente recrutar alguém com este perfil na administração pública portuguesa.

(Próxima oportunidade que, espero, não implique a desestabilização do Líbano, nomeadamente através do enfraquecimento da organização terrorista estrangeira que usurpou o governo eleito e controla de facto o país. Não queremos isso.)

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