A 6 de Junho de 1975, poucos dias após uma derrota “inesperada” nas eleições constituintes, Álvaro Cunhal deu uma entrevista a Oriana Fallaci onde, surpreendendo a própria entrevistadora com a sua honestidade e crença na ideologia comunista, expressou ideias como estas:

Em Portugal (…) não existirá qualquer hipótese para a instauração de uma democracia como as que se conhecem na Europa Ocidental;

  • As eleições não têm nada a ver (…) com a dinâmica revolucionária (…) quer isto agrade aos socialistas ou não;
  • O MFA é uma força política (…) se acredita que a Constituinte pode funcionar sem o MFA comete um erro enorme;
  • A Constituinte não se transformará, seguramente, num corpo legislativo, ela não será, seguramente, uma Câmara de Deputados. Garanto-lhe. Será uma Constituinte, com os seus poderes limitados, e nada mais;
  • Em Portugal não haverá parlamento;
  • No processo revolucionário não se respeitam as leis, fazem-se as leis;
  • (Que entende por democracia?) Seguramente não o mesmo que vocês, os pluralistas;
  • E vem-me você falar de resultados eleitorais, de liberdades democráticas, de liberdade;
  • Nós não esperamos pelo resultados de eleições para alterar estruturas e destruir o passado;
  • Portugal não será um país com liberdades democráticas;
  • Não acredito num golpe de Estado fascista, estamos em condições de o evitar graças à nossa aliança com os militares;
  • Nós não teremos um Portugal social-democrata.

Álvaro Cunhal não era o único a pensar assim. A 28 de junho de 1975, três membros do Conselho da Revolução falaram com o Expresso. Um deles, Vasco Lourenço, disse “com a social-democracia não construiremos o socialismo”. Este era pensamento que dominava a esquerda. É por isso que o 25 de Novembro é a maior derrota da esquerda portuguesa. A democracia pluralista vingou. Também graças a Mário Soares.

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Curiosamente, quarenta e quatro anos depois, Jerónimo de Sousa, confrontado sobre a essência do regime norte-coreano – onde vigora o direito do Estado e a concentração de poderes – recusou-se a classificar o regime comunista norte-coreano, afirmando que seria necessário discutir o que é uma democracia. Ou seja, o entendimento de Álvaro Cunhal continuava vivo. E não tenho a menor dúvida de que a mesma ideia também preenche a mente de Paulo Raimundo.

Expressões como “a conquista do poder pelo proletariado” e a “ditadura do proletariado” podem ter sido retiradas do Programa do PCP, no VII Congresso (extraordinário – outubro, 1974). Porém, a base marxista-leninista permanece inalterável. E jamais se modificará.

Não me parece ser possível que os socialistas desconheçam isto. Estranhamente, desde que a geringonça começou a ser uma possibilidade para o PS ser poder, a retórica passou a ser a da desculpabilização, da menorização, da aceitação e da validação de um partido que não é pluralista e que representa uma ideologia ditatorial (o BE é idêntico). Será isto ilusão ou ingenuidade? É possível que alguns socialistas acreditem que o PCP (e o BE) são partidos democráticos. É uma loucura, mas não é impossível.

Contudo, vindo de António Costa ou de Pedro Nuno Santos, não. Vindo deles é manipulação. Há muito que o PS, passando por várias transformações, incluindo o neo-socialismo, saiu da linha de pensamento de Mário Soares. Foi António Costa que fez o PS actual, posicionando-o à esquerda como nunca até então. Ao fazê-lo abandonou o socialismo democrático. E Pedro Nuno Santos não se opôs a esta decisão. Resumindo, o PCP não mudou. Quem mudou foi o PS. Ora, os partidos só mudam por acção dos seus líderes. Vendo o que fazem e o que dizem, é improvável que se António Costa ou Pedro Nuno Santos fossem os secretários-gerais do PS em 1975, apoiassem Álvaro Cunhal?

Afirmei-o a 9 de Julho de 2020, repito-o aqui. O PS, ao validar o totalitarismo do PCP e do BE, originou o Chega. A diferença é que agora têm consciência do que fazem. Pedro Nuno Santos, ao clamar pelo retorno da geringonça, está deliberadamente a promover e incentivar o populismo e o extremismo. O PS está a alimentar e a alimentar-se com o Chega.

Os socialistas contemporâneos desprezam o exemplo de Mário Soares. Também recusam as lições da história, preferindo erodir a democracia, polarizar o discurso político e incentivar os extremismos. Venderam princípios a troco de poder. A diferença entre comunistas e socialistas é muito simples. Os comunistas não enganam. Já o mesmo não pode ser dito sobre os socialistas.

Pedro Nuno Santos contribui conscientemente para uma sociedade extremada e polarizada. Não é aconselhável que alguém que pense e aja assim seja detentor de poder.