Se hoje, em pleno século XXI, fôssemos ao médico, com queixas de febre, e o tratamento aplicado fosse uma “sangria”, com toda a certeza sairíamos a bradar contra um acto primitivo, bárbaro, cruel e de utilidade duvidosa. Seguiríamos directamente para a Ordem dos Médicos, com intenção de apresentar a merecida queixa.
O tratamento que está a ser aplicado ao problema da inflação é exactamente igual. E os resultados, também! Com uma agravante, não temos onde apresentar queixa.
A inflação que se instalou por todo o mundo não resulta de um aumento da procura sobre a oferta. Foi a quebra da oferta, primeiro em consequência da pandemia Covid 19, com todas as restrições sanitárias que quebraram a cadeia de produção, e depois em resultado da invasão da Ucrânia pela Rússia, que gerou uma escalada de preços sobre as “commodities”, com impacto em toda a economia.
Subir as taxas de juro para secar o mercado, retirar liquidez à economia, pode aligeirar suavemente a inflação, num primeiro momento, mas apresentará uma fatura pesada no médio e longo prazo. Nos Estados Unidos já são evidentes os sinais de recessão.
Está a ser aplicada uma receita cega, própria para situações inversas, para quando a inflação resulta de excesso de liquidez, para quando a procura dispara por acesso a dinheiro barato, para quando o consumo cresce mais depressa que a oferta.
Tal como a sangria sobre o paciente febril troca um benefício residual e imediato pelo enfraquecimento do corpo todo, também a subida das taxas de juros tem um efeito perene sobra a inflação, mas um impacto destruidor na economia.
Depois da sangria vem a ressaca, depois das taxas altas vem a recessão.
Recessão que muitas vezes anula os ténues benefícios do efeito esponja da subida das taxas de juro.
Os tempos recessivos têm forte impacto na estrutura da produção, afastam os produtores mais pequenos, com custos fixos mais elevados, mas os grandes produtores, com economias de escala, conseguem sobreviver. Todavia, canibalizam os mais pequenos, concentram mais a produção nas grandes unidades e, consequentemente, aumentam a influência sobre o mercado, impondo preços mais altos, provocando inflação por poder de mercado.
Receitas erradas dificilmente produzem resultados acertados. Mais, diz-nos a história que a taxa de juro só consegue conter a inflação quanto se encontra acima desta, estando a inflação, em média zona euro, a 8% a taxa de juro teria de ser superior, seria um impacto absurdo para a economia.
O caminho de combate à inflação não será por aqui, não só tem um custo/benefício negativo, como esconde as verdadeiras causas da inflação: O preço da energia e a inflação oportunística.
A energia é uma das “commodities” que mais impacta na subida de preços, seria expectável que a resposta a esta pressão inflacionista passasse por desenvolver fontes de energia alternativa.
Um plano a 5 anos, para a Europa se tornar autossuficiente, do ponto de vista energético, seria uma lança certeira para destruir a cartelização nos preços do petróleo. A ameaça de uma das principais economias do mundo acelerar o processo de descarbonização, com forte redução do consumo de petróleo, faria soar os sinais de alarme nos produtores que rapidamente aumentariam as quantidades produzidas, com a consequente redução de preço.
A inflação oportunística, resulta da subida artificial de preços, apenas por utilização abusiva, ou quase usurária, do poder de mercado. Poder amplificado e consentido pelo ambiente criado na atmosfera inflacionista.
Sem recurso a grandes fórmulas, todos nos apercebemos da enorme subida de preços no supermercado. Produtos que quase duplicarem o preço, a conta final faz-nos pensar que comprámos o dobro do habitual, mas, na verdade, os produtos são os mesmos, a diferença está na escalada dos preços.
A gasolina e o gasóleo sobem cada vez que há um aumento do preço do petróleo, mas não descem quando o preço baixa.
O preço do petróleo está hoje aos mesmo valores de há 9 anos (2013), nessa altura a gasolina custava 1,64€ e o gasóleo 1,45€, cerca de 20% mais baixo.
Prova que existe inflação oportunística está nos resultados apresentados pelas grandes empresas dos sectores críticos, energia/combustível e alimentação. Como exemplo, péssimo exemplo, temos os resultados líquidos, no primeiro semestre de 2022, dos 3 grandes distribuidores, onde o os resultados líquidos cresceram, ou dispararam, para os seguintes valores: Galp: 90%, Continente: 89%, Jerónimo Martins: 79%.
Talvez fosse eficaz, na ausência de pudor e de responsabilidade social, obrigar as grandes superfícies a colocar no preço dos produtos a variação que sofreu no último ano, colocava a usura a descoberto e talvez a vergonha os contivesse.
As grandes causas da inflação, energia e inflação oportunística, não se combatem com a subida das taxas de juro, enquanto os bancos centrais fazem de conta que estão a resolver o problema, o poder político fecha os olhos ao que todos veem, torna-se cúmplice deste aproveitamento escandaloso e troca o enriquecimento de poucos por o empobrecimento de todos.