Estamos quase em “vésperas” do cinquentenário do 25 de Abril.

Cinquenta anos é tempo suficiente para avaliar, para medir e comparar as expectativas que nasceram na madrugada abril com o tempo que hoje vivemos.

Consolidada a 25 de novembro de 1975, a democracia é o maior activo e o maior legado da data que se celebra. Democracia e liberdade estão tão presentes na nossa vida que as damos por adquiridas, mas não estão.

Soam cada vez mais alto os sinais de alarme. Soam quando partidos da extrema-esquerda condicionam governos, quando capturam partidos fundadores da democracia e, parlamentarmente, fazem essas forças reféns.

Partidos da esquerda radical, com agenda de desconstrução, onde a democracia nunca conseguiu entrar. Vivemos recentemente esses tempos, nomeadamente na última legislatura entre 2015 e 2019.

Tal como na física, a acção provoca reacção, e a participação da extrema-esquerda no poder abriu caminho para o crescimento de partidos da extrema oposta. São também sinais de alarme que não podem ser ignorados, não podem porque esses partidos alimentam-se da desgraça, da inveja e dos ódios.

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Não têm uma ideia para o país, não têm uma ideia para coisa nenhuma, são partidos necrófagos, alimentam-se da morte dos outros, por isso têm vocação para destruir e fazem-no com mestria sem igual.

Se é verdade que nos últimos 50 anos a democracia se consolidou, não é menos verdade que o fez em terreno favorável. As condições de vida melhoraram gradualmente, a esperança de vida aumentou, a geração dos filhos alcançou melhores níveis de vida que a dos seus pais.

Foi assim, mas já não é. Precisamente por já não ser, o terreno que a democracia vai encontrar nos próximos 50 anos é tudo menos favorável. Diria que é uma rampa inclinada, escorregadia, pantanosa e onde é muito fácil resvalar.

Hoje, os filhos vivem dependentes dos seus pais, sentem que o país tem uma grande fatura para lhes apresentar e muito pouco para oferecer, sentem e é verdade.

Nos últimos 50 anos, todos os orçamentos fecharam com défice, gastou-se mais do que existia. Todos com uma única excepção, em 2019 registou-se um excedente orçamental.

Foram anos de egoísmo, onde se gastou empurrando a fatura para a frente, de empurrão em empurrão, o défice acumulado nesses 50 anos é superior a 231 mil milhões de euros. O equivalente ao PIB de Portugal num ano (foi de 239 mil milhões em 2022).

Para comemorarmos o cinquentenário do 25 de Abril sem défice acumulado, com um défice igual ao de há 50 anos, teríamos de trabalhar o próximo ano sem receber qualquer retribuição. Um ano inteiro sem ordenado, sem despesa com a saúde, com a educação, com a justiça, etc.

Um ano inteiro apenas a produzir, sem qualquer consumo, para compensar os desmandos acumulados em 50 anos.

Mesmo assim, não saldaria o passivo, há mais passivo além do défice.

Também a Segurança Social foi construída com base em pressupostos de crescimento, económico, demográfico e de produtividade que já não se verificam.

O modelo de benefícios definidos, em regime de repartição pura (a capitalização é residual e restringe-se ao fundo de estabilização financeira), representa uma bomba-relógio, que vai aumentando de intensidade a cada ano que passa, e rebentará nas mãos de gerações futuras.

É um sistema com problemas estruturais, não é matematicamente viável sem crescimento da produtividade ou da natalidade (preferencialmente dos dois).

A natalidade é outro problema constantemente ignorado e adiado, como se fosse possível resolver um problema ignorando-o. Retirar da agenda um tema tão impactante não o minimiza, pelo contrário, agrava-o, podendo conduzir a um momento de não retorno.

A previsão do Ageing Report 2018, antevê a perda de 25% da população nos próximos 50 anos. Em 2070 Portugal terá menos de 8 milhões de pessoas. A maior perda alguma vez registada.

São ameaças sérias, ameaças para a economia, ameaças para a sustentabilidade dos sistemas de segurança social e saúde, mas são, especialmente, ameaças para a democracia.

Nos próximos anos a democracia passará por tempos de forte provação.

Até aqui foi fácil. A democracia ficou associada a melhoria das condições de vida.

Mas essa melhoria foi feita com dívida, essa dívida está a vencer e o tempo das dificuldades está a chegar.

É neste tempo de dificuldades que a democracia terá de fazer a sua grande prova de vida.