Portugal conhece bem Christine Lagarde. Não é possível esquecer quem liderava o FMI quando foi necessário recorrer à ajuda internacional, em 2011. Foi imposta uma austeridade que não poupou ninguém, quiseram, num par de anos, corrigir os demandos que o sector financeiro e as finanças públicas acumularam durante décadas.

Muitas das vezes, banca e Estado, agiram em cumplicidade, foram milhares de milhões de euros que a banca entregou a empresas da esfera pública sem acautelar o devido colateral, sem as garantias que a diligência impunha.

Seria dinheiro perdido para a banca se o FMI, liderado pela Sra. Lagarde não tivesse exigido que esta divida, absolutamente privada, fosse assumida como dívida Soberana. Sim, ao abrigo da falaciosa “Consolidação da dívida”, nacionalizaram-se 30.000 milhões de dívida, salvaram-se os prevaricadores, a custo de todos os portugueses.

Foi uma terapia que matou grande parte da nossa economia. Milhares de empresas sucumbiram, outras descapitalizaram-se e não consolidaram os projectos. O desemprego disparou e com ele foi gerada uma nova pobreza, pobreza de pessoas qualificadas, tecnicamente evoluídas, com méritos provados, mas foram apanhadas no Tsunami de falências e acabaram por imigrar, provavelmente só regressarão para viver a reforma.

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Em 2012, depois de ter salvo os bancos, o FMI pediu desculpa, veio dizer que se teria enganado no prognóstico e que a política de austeridade excessiva teria provocado uma grande recessão, aliás foi mesmo uma espiral recessiva, só contrariada quando Mario Draghi assumiu a liderança do BCE.

Mário Draghi, que teve a coragem de inverter o sentido da política seguida pelo BCE, que atacou o problema na sua origem e não nas suas causas, foi o verdadeiro arquitecto da resposta que permitiu sair da crise financeira de 2008/2015.

Hoje, para mal da Europa, a Sra. Lagarde volta a ter um poder que, infelizmente, impacta em todos nós.

Como presidente do BCE está a fazer o mesmo que sempre fez, provavelmente a única coisa sabe fazer, salvaguardar o sistema financeiro, mesmo que isso seja pago com descapitalização das empresas, com empobrecimento das famílias e aumento do desemprego.

A subida das taxas de juro, não combateu a inflação, pelo contrário, a inflação continua a subir.

A inflação que disparou no início de 2022 não foi provocada por aumento ou pressão da procura, não resultou de maior liquidez no mercado, não é produto de qualquer devaneio consumista. É uma inflação bem identificada, por causas exógenas, em resultado de uma guerra e de uma pandemia, que diminuíram a produção e permitiu cartelizar preços por redução de “players” no mercado.

Esta semana, a presidente do BCE veio a Lisboa afirmar que a inflação está a revelar-se resiliente, que não está a responder como previsto às medidas de política monetária.

Não é a inflação que está em mutação é mesmo a resposta que está errada!

Sim, mais uma vez as opções da Sra. Lagarde revelaram-se erradas.

Por comparação, a política de aumento de taxas faz lembrar o cirurgião que corta um braço apesar da gangrena ser numa perna, mas corta o braço porque a perna faz mais falta. Não resolve e o doente ficará sem perna e sem braço.

Lagarde sugeriu, também, que as empresas sacrifiquem margens de lucro.

As margens que as empresas reduzirem serão, também, subtraídas ao investimento, ao aumento da competitividade e à criação de novos empregos.

E brindou-nos com mais, disse que as famílias terão de sacrificar as suas poupanças para resistirem ao aumento das taxas de juro. Só não disse é como compensará a descapitalização das famílias, sim o consumo das poupanças é Funding que a banca perde, ao perder as poupanças internas, poupanças nacionais, fica mais dependente do BCE, talvez as recomendações da Sra. presidente tenham muito pouco de inocente.

A evidência dos números é avassaladora, se retirarmos do “cabaz” a energia, verificamos que a taxa de inflação continuou a subir ao mesmo ritmo, sem qualquer abrandamento, o efeito de aumento das taxas foi nulo.

Perante esta evidência é legitimo perguntar por que razão se quer aumentar a dose do que já provou ser ineficaz? Para quê aumentar mais as taxas se só prejudicam a economia e as famílias?

Poderíamos ser tentados a pensar que estamos perante o axioma da idiotice, que é continuar a fazer o mesmo e esperar resultados diferentes. Mas, seria muita generosidade pensar que a Sra. Lagarde apenas se enganou (uma vez mais), generosidade que não estamos dispostos a conceder.

A presidente do BCE conhece, tem presente e quer os efeitos que este aumento de taxas provoca na economia.

O actual Banco Central Europeu age como se fosse o Banco que protege todos os outros.

A inflação só inverterá o sentido quando for atacada nas suas causas, com a implantação de programas para alcançar a soberania energética, quando a europa seguir a receita que Mário Draghi seguiu perante o mercado financeiro, o BCE agiu como um todo, ganhou poder de mercado e travou os movimentos especulativos.

Hoje a causa está no preço das chamadas commodities, a resposta deverá ser a mesma, a Europa agir como um todo, ganhar poder de mercado e combater as estratégias especulativas.