Há redes organizadas que trazem estrangeiros para serem tratados no SNS, em Portugal. Esta afirmação significa que há pessoas, que não são portugueses nem residentes em Portugal, que vêm cá apenas para serem tratadas nos nossos hospitais, de onde saem sem pagar. Mas não significa que os imigrantes que vivem em Portugal estejam a ir em grande número ao serviços de saúde, menos ainda que sejam os responsáveis pela sobrelotação do sistema e pelas dificuldades que este tem em prestar cuidados de saúde aos cidadãos portugueses.
O preço da habitação aumentou ao mesmo tempo que cresceu o número de imigrantes em Portugal. Esta frase significa que os dois factos nela referidos sucederam praticamente ao mesmo tempo. Não significa que estejam relacionados. São pormenores como estes que, como pessoas inteligentes e capazes que somos, temos de saber distinguir sob pena de errarmos nas causas dos problemas do SNS e das que levam ao aumento do custo da habitação.
A criminalidade em 2023 atingiu o número mais elevado dos últimos dez anos. Esta frase significa que a criminalidade aumentou para níveis preocupantes. Não significa que a imigração seja a causa desse aumento da criminalidade. Até pode ser que seja, mas não sabemos. E como não sabemos torna-se importante que o saibamos antes de tirarmos conclusões precipitadas. Não só porque podem ser injustas, mas também porque, a serem falsas, não resolvem o problema da criminalidade. Na verdade, não é muito difícil compreender o óbvio: se basearmos o combate ao crime em falsidades ao invés de agirmos contra as suas reais causas, o crime vai continuar a aumentar e não a diminuir. Porquê? Porque não estaremos a resolver o problema. E para resolvermos um problema precisamos de dados concretos. Quantos crimes são perpetrados por imigrantes, de preferência imigrantes chegados a Portugal nos últimos 5 anos? É disto que precisamos: de dados. Não de sensações, aparências e percepções.
Se a vida fosse tão simples como o dizem as aparências poderíamos viver apenas com base em percepções. E governar um Estado tão só a partir destas. Mas não é. A vida é bastante mais complexa do que isso. Felizmente. Felizmente, porque, caso contrário bastaria que fôssemos estúpidos. O que não somos. Temos cabeça para pensar coisas complexas. Somos capazes de distinguir as aparências dos factos e os factos das percepções.
Os três problemas acima referidos não são uma exclusividade portuguesa. São comuns em praticamente todas as comunidades ocidentais. Veja-se esta notícia no Free Press, de Bari Weiss. Esta nasce de um análise cuidada sobre as verdadeiras causas do aumento do custo da habitação nos EUA. E o que se conclui é que são bem mais complexas que atirar as culpas ao imigrantes. Boa parte dos imigrantes partilham casa e quartos (ao ponto de serem, por vezes, 15 numa casa), ou seja, na maioria dos casos não levam a um aumento da procura. Além disso, há localidades onde o aumento do imigração conduziu mesmo à redução do preço da habitação. Porquê? Simplesmente porque os residentes habituais deixaram de querer viver nesses bairros.
Temas como este são complexos e chegam a baralhar argumentos esgrimidos com certa emoção. Por exemplo, e o artigo levanta uma questão pertinente: boa parte dos que responsabilizam a imigração pelo aumento do custo das casas nos EUA é a favor de políticas que favoreçam o aumento da natalidade dos norte-americanos de origem. Algo semelhante sucede em Portugal. Mas será que quem considera que a imigração leva ao aumento do custo da habitação porque há mais gente a viver no país também concorda que se tivermos mais filhos isso levará a que os preços da habitação aumentem? Naturalmente que não, porque uma coisa não tem a ver com a outra. Até porque se tivesse passaríamos a ouvir o disparate de que ter filhos prejudica o mercado da habitação quando não há qualquer relação entre uma coisa e outra na medida em que as pessoas têm filhos porque se amam e/ou querem deixar uma parte de si para o futuro. Ora, se o preço da habitação não aumenta porque temos mais filhos também não podemos concluir que aumenta só porque há mais imigrantes, principalmente quando alguns destes partilham casa em grande número. Segundo o artigo, o facto comum em todas as regiões que assistem a um aumento do preço das casas é a falta de construção. Construção que faltará ainda mais se se travar a entrada de imigrantes, que são quem trabalha no sector. Essa será uma das relações directas de causa e efeito. Não raciocínios estapafúrdios que escondem agendas político-ideológicas. Até porque, em última análise, se morremos todos os problemas desaparecem. Solução que, por razões óbvias, não serve.
Peguei no texto da Free Press porque traduz bem o que também se passa por cá. A simplicidade com que analisamos e tiramos conclusões de questões complexas e complicadas. A importância de se fazer um bom diagnóstico para que se saiba quais são as causas reais dos problemas e as soluções mais indicadas. As pessoas são livres de pensarem o que quiserem. Mas é importante que compreendam que são as mais penalizadas pelos erros que cometerem na análise que fazem. Se nos quisermos guiar com base em meras percepções podemos ficar todos contentes porque achamos que encontrámos uma solução imediata para as questões que nos assolam enquanto nos voltamos a enfiar nas nossas vidas com a consciência limpa dos que têm certezas absolutas. É perfeitamente legítimo que o façamos. Mas o problema não se resolve. Fica lá, cresce, aumenta até se tornar insustentável.
Por alguma razão somos seres inteligentes e devíamos ir além das meras percepções. É uma escolha como qualquer outra.