Nos longínquos anos 90, Marcelo Rebelo de Sousa tornou-se líder do PSD e uma das primeiras coisas que fez no seu novo fato foi encontrar-se, em São Bento, com o então primeiro-ministro, António Guterres. Foi uma conversa descontraída. Os dois eram velhos amigos e o socialista tinha um conselho fraterno a dar ao recém-chegado. Disse-lhe isto, literalmente: “Ó Marcelo, se queres ser primeiro-ministro, a melhor coisa que tens a fazer é fazer de morto. Porque quem lá estiver na altura em que eu cair substitui-me naturalmente. Se te desgastares muito, corres o risco de não chegares lá”.

Com o tempo, este conselho transformou-se numa lei de ferro da política portuguesa, até porque iria revelar-se certeiramente premonitório: Marcelo não se “fez de morto” e, na altura em que Guterres “caiu”, quem o “substituiu naturalmente” foi Durão Barroso, que, por acaso temporal, ocupava na altura o cargo de presidente do PSD. De então para cá, olhando para essa pedagógica sucessão de acontecimentos, os candidatos a candidatos a primeiro-ministro convenceram-se de que a sua principal missão na Terra é a de, patrioticamente, se fazerem de mortos para conseguirem chegar vivos ao dia da ascensão ao poder.

Luís Montenegro, que parece ser um aluno diligente, empenhou-se em seguir a cartilha guterrista. Até por uma agravante: na última campanha eleitoral, António Costa mostrou mais uma vez a sua antiga habilidade de conseguir que uma parte substancial da campanha fosse ocupada a discutir as propostas, reais ou imaginárias, do PSD — em vez de ser ocupada a debater os erros e as fragilidades do seu governo. E isso contribuiu, sem dúvida nenhuma, para a maioria absoluta do PS. Por tudo isto, desde que conquistou a liderança do partido, Montenegro tem tido um especial empenho em não apresentar qualquer proposta, seja sobre que tema for. Aeroporto? O governo que decida. Cortes nas pensões? O governo que justifique. TAP? O governo que se desenvencilhe.

O problema para Luís Montenegro é que já não estamos nos anos 90 — nessa altura, com dois partidos a alternarem-se confortavelmente no poder, era, de facto, suficiente o líder do PSD fazer-se de morto. Mas, hoje em dia, com dois novos partidos à direita, o líder do PSD é obrigado a mostrar que tem sangue a correr nas veias.

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Se alguém ainda tinha dúvidas, ficou definitivamente iluminado com os resultados da sondagem revelada esta semana pela TVI/CNN: 53% dos inquiridos acham que o governo é “mau” ou “muito mau”; 63% “desaprovam” a forma como António Costa governa; e 67% acham que a economia “vai piorar”. Perante esta hecatombe, aconteceu o inevitável: o PS caiu 8,1 pontos percentuais nas intenções de voto. E é aqui que as coisas se complicam. Porque, ao mesmo tempo que os socialistas se estatelavam, o PSD também caía: não fazendo distribuição de indecisos, desceu 0,7 pontos percentuais. Os votos refugiaram-se noutro lado: o Chega subiu 3,7 pontos percentuais, para 11,1%; a Iniciativa Liberal subiu 2,1 pontos percentuais, para 6,3%; e os indecisos subiram 2,7 pontos percentuais, para 21,7%.

Este é um dos piores momentos da governação de António Costa: o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro demitiu-se depois de ser acusado num processo judicial; a secretária de Estado do Tesouro demitiu-se por ter recebido uma indemnização de 500 mil euros da TAP; o ministro das Infraestruturas e um dos seus secretários de Estado demitiram-se por terem aprovado essa indemnização; a secretária de Estado da Agricultura demitiu-se por ter as contas penhoradas num processo judicial; dois secretários de Estado da Economia foram demitidos por se terem incompatibilizado com o ministro — e uma dessas governantes tentou, até ao limite, ir trabalhar para uma empresa à qual atribuiu o estatuto de utilidade turística.

Nem assim, nem com tudo isto, o PSD conseguiu tirar votos ao PS. Estou a ser excessivamente simpático: nem assim, nem com tudo isto, o PSD conseguiu sequer manter os seus próprios eleitores. A multiplicidade de escolhas à direita cria esta dificuldade a Luís Montenegro. E a isso acrescenta-se uma adversidade criada pela sua estratégia de alianças. Como o líder do PSD mantém em aberto a possibilidade de acordos pós-eleitorais com a IL e com o Chega, os eleitores sentem-se livres para escolher a quem dar o seu voto. Ou seja: não há pressão para o voto útil no PSD.

Esta sondagem foi um aviso e um alerta. Se Luís Montenegro continuar a fazer de morto, especialmente tendo ao lado dois partidos vivíssimos, os eleitores vão julgar que ele está mesmo morto — e, para um morto político, não há votos nem salvação. O líder do PSD devia reservar umas horas para refletir sobre as palavras de uma conhecida pensadora portuguesa: “Estar vivo é o contrário de estar morto”. Parece que não, mas é tão simples quanto isso.