Tal como uma iogurteira recebida por acaso ou por perfídia nos cria a obrigação de fazer iogurte, assim não parece ser imaginável usar a internet sem ao mesmo tempo desenvolver opiniões firmes sobre os assuntos mais variados. De facto, nunca tantos tiveram tantas opiniões, e nunca o intervalo entre espasmos e prosa foi tão curto. É de esperar progresso moral e avanço do conhecimento.
Apesar de como toda a gente ter periodicamente opiniões, a minha condição normal é a de não ter opinião sobre muitas coisas. Até há relativamente pouco tempo consolava-me com a ideia de que os outros não eram diferentes de mim. Hoje não estou tão certo: os meus colegas de espécie fizeram progressos que eu não consegui acompanhar. Aqueles a quem como eu falta a imaginação praticam ainda actividades em desuso como a confiança em terceiros, a admiração pela prosa, e de um modo geral aquilo a que os melhores chamaram a sabedoria da insegurança.
Desde que tenham tido a sorte de não nascer ou viver em certos sítios, os que não têm grandes opiniões sobre a maior parte das coisas são quem mais aprecia a liberdade de expressão. Nalguns casos dizem o que têm a dizer e explicam porquê; mas na maior parte dos casos não têm de dizer nada: e isso não tem preço. Não confundem liberdades com direitos, e não confundem direitos com deveres. Não sentem a obrigação de ter opiniões ou pelo menos o dever de as exprimir com regularidade. Não sentem a liberdade de expressão como um problema que precise de ser resolvido mas como uma condição congenial e benfazeja.
Fala-se normalmente sobre liberdade de expressão de modo aguerrido e lacrimoso, como uma coisa sempre ameaçada e muito querida. Confunde-se ter opiniões com uma virtude, ou com um reflexo fisiológico. ‘Não posso fazer outra coisa’, disse famosamente Lutero, que imaginava que a liberdade de consciência era ao mesmo tempo como ser corajoso e como ficar com pele de galinha. Esquece-se no entanto que ter opiniões não é necessariamente ter opiniões verdadeiras. Pense-se antes na liberdade de expressão como um par de botas de borracha arrumadas num canto. Num daqueles raros dias de dilúvio fazemos o esforço de as calçar. Por estes dias normais, porém, quando saio à rua, os meus passos de gazela contrastam singularmente com o andar pesado dos meus antigos colegas de espécie.