Estou muito entusiasmado com a Estratégia Nacional para o Hidrogénio. Segundo percebo, vamos passar uma corrente eléctrica por água para separar o hidrogénio do oxigénio e ficar assim com combustível. Como a electricidade é gerada por painéis solares, na prática vamos usar energia cara para produzir energia caríssima. É um processo químico chamado electrólise que, pelos preços que têm sido noticiados, nos vai deixar electrolisos. Porque a electrólise portuguesa é superior às outras. Além de separar hidrogénio de oxigénio, consegue ainda separar contribuintes portugueses de 7 mil milhões de euros. (É o valor que o Governo diz que vai ser investido por privados, o que quer dizer que é o valor com que o Governo vai subsidiar os privados, para que possam investir sem risco).

O Governo diz que temos mesmo de apostar no hidrogénio por causa da descarbonização e do clima. Que é a mesma justificação que nos deram para apostarmos nas energias renováveis. Em Portugal, mais renovável do que a energia eólica e solar, só a lábia do Governo a vender banha da cobra. Que, se fosse uma venda literal, acabava por prejudicar menos, porque a banha sempre é uma fonte de energia mais barata.

Entretanto, 15 anos e muitas facturas de electricidade depois, os portugueses já puderam ver o resultado do grande investimento em renováveis que foram obrigados a fazer. Um sacrifício que teve grande impacto no aquecimento global, como sabe toda a gente que se lembra daquele dia, em Maio de 2017, em que esteve frescote de manhã. Fomos nós! Valeu a pena.

Mas não é apenas o imperativo ético que leva o Governo a avançar com o hidrogénio. Parece que também acha que é um bom negócio, porque hoje é uma tecnologia cara, pouco testada e pouco disseminada. E, como é evidente, é muito mais vantajoso meter mais dinheiro agora do que menos dinheiro quando a tecnologia já for barata e de uso corrente. É o raciocínio das pessoas que, numa loja, pedem ao vendedor para fazer “preço de inimigo”.

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No fundo, é o equivalente a perguntar a alguém: “Se tivesses de levar um murro do Muhammad Ali, preferias levar a 25 de Fevereiro de 1964, quando ganhou o primeiro título mundial, ou a 3 de Junho de 2016, mesmo antes de morrer de Parkinson?” Está visto que o Governo optava pelo soco do jovem Ali. Custa mais, mas confere mais prestígio. É que dizer “levei um murro do Muhammad Ali” impressiona menos do que “leei uu muu do uaaa aui”, que é a mesma frase dita por alguém sem dentes.

Há outra forma de produzir hidrogénio, através da queima de gás natural. Sucede que é mais barata. Isso, como é obvio, não nos interessa, porque não nos destaca. Queremos a mais cara, a que faz hidrogénio verde. Há quem julgue que se chama “verde” por ser a mais ecológica, mas é por ser a cor do dinheiro que é desperdiçado. É possível que, se queimarmos o dinheiro numa fornalha, a energia produzida seja mais barata.

A ideia que dá é que só estamos a embarcar no hidrogénio para armar ao pingarelho na Europa. Já não bastava termos da energia mais cara da UE, agora temos a mais fina. Quando virem, os países do Norte vão deixar de criticar o que gastamos em vinho e passar a criticar o que esbanjamos em electricidade. Aliás, vão passar a ser compreensivos com o que gastamos em vinho: ao preço que está a energia para aquecedores, é graças ao álcool que nos mantemos quentes. Estamos a ligar interruptores acima das nossas possibilidades. Se o objectivo é sobressair, fomos bem-sucedidos. Portugal mostrou que é um país singular, o único país do mundo em que a Tabela Periódica funciona ao contrário e o hidrogénio só vem depois do ouro. Muito ouro.

Agora, quem diz que o hidrogénio é uma energia limpa, sem resíduos, nunca viu a conta de Twitter do Sec. de Estado da Energia. A sujeira que para ali vai. João Galamba tuíta insultos com uma cadência impressionante. Se calhar, era mais barato aproveitar a fúria com que bate nas teclas como fonte de energia. Em vez de hidrogénio, mau génio. No Twitter, João Galamba apresenta-se com uma foto sua em criança. Faz sentido. Pode estar a falar de assuntos de Estado, mas a postura é de um garoto brigão no recreio. Não tenho acompanhado sempre, mas é provável que já tenha sido usado o argumento “o meu pai é polícia e bate no teu”.

Não é a primeira vez que um profeta salva um povo através de um processo de divisão de água. Tal como João Galamba levará os portugueses até à plenitude energética, separando hidrogénio de oxigénio, há 4 mil anos Moisés conduziu os hebreus até à Terra Prometida, apartando as águas do Mar Vermelho. Moisés e Galamba, dois predestinados. Um acha-se numa missão divina; o outro foi resgatado das águas do Nilo pela filha do Faraó.

Galamba é incansável no ataque a quem discorda dele. Nunca pára. Parece mesmo o coelhinho da Duracel. Dura, dura, dura. A diferença é que a energia que o coelhinho da Duracel vende é barata.