1 Tenho o gosto de reconhecer que, na minha lista habitual de livros para férias, tenho desta vez basicamente, ainda que não exclusivamente, um livro para recomendar: Memórias da II Guerra Mundial, por Winston Churchill, que acaba de ser corajosamente reeditado em português pela distinta editora Dom Quixote.

São 1072 páginas num imponente e elegante volume – bastante volumoso, mas surpreendentemente não muito pesado. Não digo que seja o ideal para ler na praia, mas certamente gostaria de argumentar que é possível – e muito gentlemanly – ler na praia. (Certamente mais versátil de que a versão original em seis volumes, que recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1953, e de que esta edição em um volume é um brilhante resumo).

Trata-se de uma obra-prima da democracia liberal e da civilidade educada contra os extremismos populistas de sinal contrário, os pedestres extremismos nacional-socialista do nazismo do cabo Hitler, do fascismo do ex-marxista Mussolini e do comunismo marxista de Lenine e Estaline. (Façamos votos de que não estejamos atualmente a vivenciar um retorno a expressões semelhantes de pedestres populismos rivais).

2Contra estes extremismos semi-educados (para dizer o mínimo), o aristocrata conservador-liberal Winston Churchill relata detalhadamente a gradual emergência de uma corajosa resistência europeia – de centro-direita e de centro-esquerda – chocada pela violência insurgente dos extremos. Convém a este respeito recordar que o início da II Guerra teve origem na dupla invasão da Polónia pela Alemanha nazi e pela Rússia comunista em Agosto-Setembro de 1939, após o infame Pacto Molotov-Ribbentrop de 24 de Agosto desse mesmo ano.

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É certo que Churchill não esconde – na verdade, sublinha – que aquela resistência contra o nazi-fascismo e o comunismo teve sede principal em Inglaterra e, depois de bastante esforço, também na América: “Americans will always do the right thing – after exhausting all the alternatives”, é uma célebre “tirada” de Churchill, (que desejamos possa voltar a ter aplicação nos dias que correm…)

E Churchill sublinha sobretudo que aquela resistência contra o nazi-fascismo e o comunismo foi sobretudo também enfática em vários outros países de língua inglesa, como a Austrália, o Canadá e a Nova Zelândia. (Esta peculiaridade levá-lo-ia, aliás, a publicar, em 1956-58, os 4 volumes de A History of the English-Speaking Peoples, onde designadamente recorda que os partidos comunistas e nazi-fascistas nunca tiveram qualquer relevância naqueles países).

3 Mas, voltando à História da II Guerra Mundial, é importante voltar a sublinhar a ênfase de Churchill na aliança da direita e da esquerda democráticas contra os pedestres extremos anti-democráticos rivais do nazi-fascismo e do comunismo.

Aquela aliança do “Centro Vital” ficou particularmente patente no seu próprio país, onde um Governo de aliança nacional – liderado por ele, Conservador, e incluindo os Trabalhistas de Clement Attlee, bem como os Liberais de (Sir) Archibald Sinclair – encabeçou todo o esforço de guerra desde 1940 até 1945.

A este respeito, um outro livro recentemente traduzido entre nós merece referência especial: O Dia D de Churchill, da co-autoria do Professor Allen Packwood (diretor do Churchill Archive, Churchill College, Cambridge) e General Lorde Richard Dannatt (Lisboa: Crítica/Planeta de Livros, 2024). O livro é dedicado “A todos aqueles que, sob o comando aliado, perderam a vida na campanha da Normandia” e constitui uma impressionante reconstituição historiográfica da chamada “Operação Overlord” que iniciou a 6 de Junho de 1944 a libertação da França da ocupação nazi – e cujo 80º aniversário foi recentemente celebrado com a presença de Chefes de Estado e de Governo da França, do Reino Unido, dos EUA, do Canadá, da Alemanha, da Holanda e da Ucrânia.

4 É sabido que, depois de vencer a guerra, em Maio de 1945, Churchill perdeu as eleições parlamentares, em Julho desse mesmo ano, para os Trabalhistas de Clement Attlee e Ernest Bevin. Estes mantiveram a defesa da democracia liberal e participaram, em parte até lideraram, ativamente a criação da NATO e do Plano Marshall. [A este propósito, um livro adicional que poderia sugerir para férias seria Ernest Bevin: Labour’s Churchill, da autoria de Andrew Adonis (Londres: Biteback Publishing, 2020)].

E é particularmente importante recordar que Winston Churchill, que liderara o Governo de Aliança Nacional durante a guerra, após perder as eleições parlamentares de Julho de 1945, passou a sentar-se polidamente na bancada do líder da “Leal Oposição de Sua Majestade”. Como mandam as regras do Fair-Play e da Gentlemanship, saber perder, em democracia, é tão ou mais importante do que saber ganhar. [A este respeito outro livro memorável é Attlee and Churchill: Allies in War, Adversaries in Peace, de Leo Mckinstry (Londres: Atlantic Books, 2019)].

5 Para (quase) concluir, gostaria de recomendar enfaticamente vários livros recentes de uma admiradora de Churchill e eloquente defensora da decência do “Centro Vital” contra os extremismos da esquerda e da direita iliberais. Trata-se de Anne Applebaum, uma “americana-britânica-polaca”, casada com Radek Sikorski, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia e, tal como ela, ancestral resistente anti-comunista (ambos também, já agora, ancestrais amigos e participantes do Estoril Political Forum do IEP-UCP).

Foi recentemente publicada entre nós a 2ª edição do livro de Applebaum Gulag: Uma História (Lisboa: Bertrand Editora, 2022), internacionalmente aplaudido como “um livro importante e comovente, uma história assustadoramente inesquecível” (Anthony Beevor, entre muitos outros).

A Bertrand tinha, entretanto, também publicado outro livro memorável de Anne Applebaum em 2020: O Crepúsculo da Democracia: O fracasso da política e o apelo sedutor do autoritarismo. Trata-se de um diagnóstico incrivelmente premonitório da ascensão dos populismos autoritários da esquerda e (sobretudo) da direita radicais contra as democracias liberais e o “Centro Vital” no Ocidente (sobretudo na Europa, mas também na América). Julgo que seria importante reeditar, ou, pelo menos, relançar este livro dramaticamente actual.

Mas Applebaum acaba de publicar em inglês um novo livro dramaticamente actual: Autocracy, Inc.: The Dictators Who Want to Run the World (Londres: Penguin, Julho de 2024).  Na sua crónica na (conservadora-liberal) revista The Spectator de Londres da semana passada (onde ela e o marido foram cronistas regulares na época da queda do Muro de Berlim), Applebaum assinala a cimeira da NATO, em Washington, para celebrar os 75 anos da instituição. E sublinha a continuada importância actual da Aliança euro-atlântica contra a rede (network) de ditaduras que conspiram contra o Mundo Livre: “Rússia, China, Coreia do Norte, Irão, Cuba, Venezuela, Bielorrússia, Zimbabwe, entre outros”.

6 Já agora, para terminar em beleza e regressar mais uma vez a Winston Churchill, recomendo enfaticamente a crónica de Charles Moore, biógrafo autorizado de Margaret Thatcher, na edição deste passado sábado, dia 20, no conservador-liberal The Daily Telegraph de Londres (p. 16). O título, que ocupa duas linhas das seis colunas da página, dificilmente poderia ser mais bombástico, sobretudo vindo do biógrafo autorizado de Margaret Thatcher: Donald Trump isn’t America’s saviour. His strategic carelessness threatens the free world”. Ao longo de uma cerrada mas tranquila e muito conservadora-liberal argumentação, surge a referência crucial a Churchill (que Thatcher gostava de citar como Winston): “Despite his [de Trump] pugnacious character, his role model seems to be Neville Chamberlain, not Winston Churchill”.

Post Scriptum: Fazendo votos de boas leituras e de boas férias a todos os eventuais leitores desta coluna quinzenal, conto estar de volta a 2 de Setembro.