1 Mais um rombo na Educação. Chegaram às escolas os resultados das provas de aferição 2023, realizadas por alunos dos 2º, 5º e 8º anos de escolaridade. E os resultados foram “maus” ou mesmo “desastrosos sob qualquer perspectiva”, de acordo com professores ouvidos pelo DN. Exagero? Nem por sombras. Basta consultar alguns dos resultados globais para ceder ao desânimo — apesar de o relatório do IAVE não ter sido publicado, o DN acedeu aos resultados que, a confirmarem-se, são terríveis.

No 2º ano de escolaridade, em Matemática, não houve positivas em nenhum dos domínios avaliados. Em Português, à excepção da Oralidade, nenhum outro domínio superou os 20% de desempenhos positivos — com destaque negativo para a Gramática, na qual mais de um terço (36,6%) dos alunos não conseguiu sequer realizar as tarefas. No 5º ano de escolaridade, os resultados em Português foram maus e os de História e Geografia foram ainda piores: nesta disciplina, não houve médias positivas em nenhum dos domínios avaliados e, no domínio “Localização e Quadro Natural da Península Ibérica”, dois terços dos alunos (66,6%) não conseguiu responder correctamente às questões. Por fim, no 8º ano de escolaridade, em Ciências Naturais ou Física-Química, a percentagem de alunos com dificuldades superou os 50% em quase todos os domínios avaliados.

2 Não existem palavras meigas para descrever estes resultados, a todos os níveis preocupantes: em áreas-chave da sua formação escolar, os alunos demonstram insuficiências graves na aprendizagem. Detalhe da maior importância: as lacunas na aprendizagem não estão concentradas numa única faixa etária, como acontece num diagnóstico como o PISA (que avalia alunos de 15 anos). Estas provas de aferição cobrem alunos dos três ciclos do ensino básico, com idades entre os 7 e os 14 anos. Ou seja, não está em causa uma coorte isolada de alunos, mas sim dificuldades que, por estarem generalizadas no ensino básico, podem ser consideradas estruturais. Dito de forma ainda mais clara: porque os maus resultados são transversais, não está em causa o desempenho de um grupo específico de alunos, mas sim o desempenho do próprio sistema educativo.

3 Nos últimos anos, a tendência tornou-se saliente: observa-se uma manifesta pioria de resultados, cujo início antecede a pandemia. Como tal, quem acompanha o estado da Educação não poderá estar surpreendido com os resultados destas provas de aferição — o que surpreenderia é que fossem bons. É uma matéria de facto: sejam nacionais (estudo de diagnóstico 2021-2023) ou internacionais (PISA, PIRLS, TIMSS), todas as avaliações de relevo mais recentes apontam para a degradação da aprendizagem dos alunos.

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4 As más políticas têm consequências. E, desde 2015, as más políticas têm-se multiplicado, com destaque para duas: (1) a destruição do edifício da avaliação e monitorização do sistema educativo, que funcionava continuamente desde 2001, e (2) a abolição das metas curriculares e redução do ensino às “aprendizagens essenciais” que, concebidas para servir de síntese curricular, se converteram, afinal, no currículo efectivo de cada disciplina. Os efeitos têm sido amplamente discutidos, desde um nítido baixar de fasquia à ilusão de sucesso escolar propalada no discurso e nos documentos do Ministério da Educação. E, apesar de todas as limitações existentes (e conhecidas) nestas provas de aferição, os resultados estão à vista.

5 Não faltará quem se desdobre em explicações que ignoram os factos, com o objectivo de isentar o Governo de responsabilidades. Só que as evidências não favorecem essas narrativas. Uns dirão que foi a pandemia — só que, através do PISA 2022, já se percebeu que a pandemia não explica tudo. Outros dirão que foi consequência de serem, pela primeira vez, provas digitais (em vez de em papel) — só que estas só foram digitais por insistência do Ministro da Educação, muito criticado por essa opção, nomeadamente em relação aos alunos do 2º ano. Outros, ainda, alegarão que as provas de aferição não servem para nada (na medida em que os alunos não se esforçam), pelo que os resultados não representam a aprendizagem efectiva — só que essa tese foi, precisamente, rejeitada pelo actual Ministro, em 2015, quando acabou com os exames no ensino básico.

6 Para 2024, o Ministro da Educação determinou a digitalização integral dos exames do 9º ano e o início do projecto piloto para exames digitais no ensino secundário. Isto, após as provas de aferição terem sido digitais em 2023. Ora, após tantas falhas e críticas à implementação das provas digitais no ensino básico, e perante resultados desastrosos dos alunos, seria prudente averiguar se existem condições adequadas para ter exames digitais em 2024. É importante que decisões desta natureza não sejam tomadas por mera imposição de calendário.

7 Não se compreende o atraso na análise e divulgação de resultados. Não é admissível que a correcção e análise destas provas digitais demore o mesmo tempo que demorava com provas em papel. Mas foi o que aconteceu. As provas de aferição de 2018 (em papel) tiveram resultados globais publicados pelo IAVE a 15 de Janeiro 2019. As provas de 2023 (em digital) ainda não tiveram resultados publicados (será “brevemente”). Em 2018 e 2023, o calendário manteve-se: as provas foram realizadas em Maio/ Junho. Ou seja, o intervalo temporal para análise de resultados foi idêntico. Se a principal mais-valia do digital é a rapidez na análise, torna-se injustificável que os resultados não tenham chegado no arranque do ano lectivo, de modo que as escolas pudessem atempadamente planear intervenções pedagógicas e apoiar alunos em dificuldade. Esta falha reflecte inequívoca má gestão.

8 A confirmarem-se os dados reportados no DN, o balanço das provas de aferição 2023 só pode ser negativo: resultados “desastrosos”, dificuldades consistentes nos três ciclos do ensino básico, envio tardio de resultados às escolas (o que inviabiliza intervenção atempada), relatório nacional ainda por publicar (à hora que escrevo), processo de digitalização porventura apressado, modelo de aferição com falhas e de comparabilidade limitada. 2023 foi um ano muito duro na Educação, entre o desgaste profissional dos professores e as ilusões desfeitas sobre a aprendizagem dos alunos. Agora, a fechar o ano, recebemos mais uma má notícia.