Miguel Costa Matos, o novo Secretário-geral da Juventude Socialista, assinou recentemente um artigo de opinião no Observador, ao longo do qual, conhecendo perfeitamente o ADN ideológico dos destinatários, atenta apresentar-se como uma voz moderada. Uma voz despida dos ecos mais reacionários provenientes dos extremados partidos de esquerda que têm ancorado os governos de António Costa e carimbado a sua, e a dos que o rodeiam, recordista inimputabilidade.
Todavia, é factualmente notório que esta não é a verdadeira voz do deputado. Juntamente com outras figuras, os já não tão jovens e influentes turcos do PS (permitindo-me utilizar um vernáculo apreciado pelo autor, e incorrendo num exercício de futurologia, diria os cangalheiros do valioso legado do partido de Mário Soares), Miguel Costa Matos encontra timbre, afina o tom e ajusta-se ao ritmo da cartilha da geringonça.
O mais jovem deputado eleito (acontecimento pelo qual se deve congratulá-lo) apresenta o seu feudo, a JS, como palco de discussão não só de investimentos, mas também de “grandes reformas”. Se assim for, deverá, evidentemente, utilizar a governação antirreformista do seu suserano como o exemplo a não seguir.
Demais, rebate a narrativa que lhe têm vindo a adjudicar, a da esquerda “extremada” (aqui parafraseio o autor até nas aspas, porque, como é hoje de senso comum para amanhã conhecimento inato o ser, a esquerda é um círculo virtuoso sem extremos, cantos, ou qualquer coisa geometricamente pontiaguda). Tal qual o aluno medíocre que justifica uma negativa aos pais, dizendo que os melhores alunos da turma só obtiveram 11 valores, Miguel Costa Matos afirma ainda que, caso se considerem como PRECquianas as suas principais bandeiras, dever-se-á conjuntamente alastrar esse cunho ao Financial Times, à Economist e quejandas entidades de “referência”.
Aportando, agora, na parte que tão cara me é: os leitores, chegando ao último parágrafo do texto de Miguel Costa Matos, embaterão com o palavreado de quem se arroga o papel de capital porta-voz de uma geração. A geração à qual pertenço: os ora celebrados, ora famigerados millennials. Como sua parte integrante, sou obrigado a declarar que nunca me senti, não me sinto e, muito provavelmente, jamais me sentirei cabalmente representado pelo ideário do deputado.
No entanto, sob diversas formas, Miguel Costa Matos é, de facto, um adequado paladino dos e para os millennials. A geração que na ânsia de tudo rapidamente consumir, digerir e prontamente assinalar ao mundo o sucesso dessa ingestão, renega o que de alvacento habita um mundo que desejam dicotomicamente partido em marfim e ébano. A geração que, tal a falta de capacidade de acomodar críticas e reflexões divergentes, posiciona-se como madrinha da bolorenta campanha da cultura do cancelamento, a qual nos deixará um passivo moral difícil de saldar. A geração que tão fundo enterra e delimita nos penetrais do seu espírito a sua cosmovisão, as suas convicções, que acaba a preferir líderes autoritários e violentos ao invés de personalidades rocambolescas, pese embora democraticamente eleitas (tudo porque atravessar as “linhas vermelhas” tão orgulhosamente ostentadas a nível do justiçamento social é o mais ímpio ato passível de ser cometido). A geração que julga ser fácil e politicamente derivada a escolha entre o Bem e o Mal, e, com isso, entibia o debate moral e ético, reservando-o só para os correligionários do pensamento. A geração que privilegia a segurança do doutrinamento ao desafio e estímulo do contraditório. A geração que empunha o por liberdade e igualdade clamante megafone numa mão, ocupando a outra com o censor lápis diligentemente apto a reescrever a História e a vandalizar estátuas. Pois bem, vandalizam também o que advogam, contanto que não haverá muita liberdade num presente que tem como principal instrumento de conceção do futuro a reescrita do passado.
A minha geração. À qual, paralelamente ao queixume, me orgulho de pertencer e cuja ação futura no mundo continuo a ver com otimismo. Um otimismo colorido, mas realista.
Terminando, um genuíno abraço de conforto ao jovem deputado (e não o “beijinho no ombro” – terrível expressão – que o mesmo decidiu enviar a Rui Rio) pelas incompreensíveis acusações que lhe foram remetidas nas redes sociais quanto à discordância entre o seu percurso académico e pessoal (abarcando, pelos vistos, uma passagem pela St Julian’s School) e o que este defende a nível político. Mais bizarro tudo se torna, quando se observa que as críticas vozes são as mesmas que, frequentemente, promovem a rutura entre o corolário advindo do código postal de uma pessoa e a sua matriz ideológica e posição na sociedade. Esta nobre premissa, claro está, deverá ser válida para todo e qualquer rumo (melhor, só assim será verdadeiramente válida), e Miguel Costa Matos tem exatamente a mesma legitimidade para se bater pela sua agenda que um ex-estudante de uma escola pública alentejana. Ou um aluno da FCSH.