Fulminante irritação, ferve o sangue. Acautelando a sua evaporação, parte-se para o combate dos ringues desenhados a duzentos e oitenta caracteres e zero cordas. Dispensam-se as últimas, pois que parte da piada é a delgadeza da fronteira entre interveniente e espetador.

Outras vezes, corrompendo a exigência da agressividade com o néctar da melancolia, o sangue não ferve. Encolhem-se os ombros, num encolher acompanhado pelo breve e epicurista esgar que anuncia uma certa conformação face ao disparate, não evitando, porém, a tristeza subjacente à pergunta que se segue: como é que alguém é capaz de defender isto?

Outras ainda onde, porventura com preocupações de diferente natureza a sugarem-nos a atenção, dá-se o assunto por resolvido com um revirar de olhos. A mesma pergunta, todavia em tom diferente, a roçar o jocoso: como é que alguém é capaz de defender isto?

Todos os que nadam, mais ou menos ativamente, as agitadas marés das redes socias – espelhando a encrespação da realidade que as sustenta – terão sido confrontados com as opções descritas.

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Como é que alguém é capaz de defender isto? surge, então, como a pergunta. Seja na sua vertente guerreira, melancólica ou arrogante. Tantas são as ocasiões em que não tenho vontade, força ou disposição para lutar, meditar ou troçar, que me vi obrigado a tentar descortinar táticas para empatizar com opiniões adversas e alheias.

A primeira forma que encontrei foi a de imaginar o outro lado da trincheira a partilhar um lanche com o avô ou a avó. Ou, dependendo da idade, a conviver com os netos. Não foi uma tática muito premeditada, possivelmente terá surgido pela ternura que envolve essa relação. Indiferente, pois efémero foi o seu reino: ganhando a pintura humores próprios, rapidamente avós e netos vozeavam (por coincidência, claro) as minhas posições, sobrepondo-se ao adversário que procurava compreender.

Despojado de manobras de abeiramento, lá ia atravessando a atmosfera das eleições presidenciais, tão propícia à precipitação de agudos despropósitos. Na verdade, não me queria esquivar da molha, antes evitar a constipação que daí poderia nascer.

Até que, inopinadamente, uma nova estratégia se gizou à minha frente, e tudo graças a um apaixonante tema: queijo. Foi durante a meiga conversa entre Miguel Esteves Cardoso e a candidata Marisa Matias – das que mais me forçou a revirar os olhos – que o assunto surgiu, e pude ouvir Marisa a discorrer sobre o seu amor a um alargado leque de queijos. Amor esse que partilho profundamente. Epifania instantânea: claro, tão simples afinal! Bastar-me-ia imaginar o outro a deliciar-se perante um prato de queijos e construída estava a ponte. Tanto que, num ápice, já tinha cultivado uma memória artificial: Marisa à minha frente a cortar o brie enquanto eu me entretinha com o queijo da serra.

Esta queijificada teoria cedo encontrou a dura realidade da sua fugacidade, devido a dois acontecimentos: a soez intervenção de Louçã acerca de Aline Beuvink e o embaraçoso ativismo do grupo Climáximo.

Em relação ao primeiro, pouco a acrescentar ao que já foi dito. É inevitável não conhecer razoavelmente bem o pensamento de Francisco Louçã (a tirania do destino tem destas coisas). É-me imensamente mais chocante ver militantes socialistas criticar Sérgio Sousa Pinto depois deste expor o ridículo da atitude de Louçã. Tantas facilidades de orientação à navegação e as pessoas ainda se desorientam entre o Largo do Rato e a Rua da Palma…

Louçã, uma figura que facilmente confessa um inalterado pensamento político, vigente desde os seus quinze anos. A sete da História é exigente, mas ainda assim admitir que o âmago da nossa conceção política permanece inabalável desde tão tenra e ignorante idade, com tão pouco mundo conhecer, é extraordinário. E aborrecido: quão fastidioso será observar o mundo sempre do mesmo ponto referencial, por mais vivências que se adquiram ao longo do caminho?

Quanto à ação da Climáximo, o espanto é maior. Não que se espere algo de minimamente profícuo por parte de quem fabula um novo escalão de imposto de 99% sobre todos os rendimentos a partir dos 150.000€ anuais, mas “há limites”, pensamos sempre. Um desses limites seria não utilizar uma tragédia humanitária para impulsionar a sua agenda demagoga e contraditória, que mescla ímpetos anticapitalistas, anticolonialistas e pró-transição climática.

A questão ambiental é real, severa, um dos maiores desafios da humanidade. Um desafio que teremos, inevitavelmente, de superar. Para que tal aconteça, é essencial que este goze de ampla acreditação na sociedade. A Climáximo, enquanto adota como missão batalhar em função deste desafio, apenas afoga a sua luta num pântano de panfletismo e ignorância, em tudo contraproducente com a agenda que dizem promover.

Como se pode dissociar a transição energética do capitalismo, a força responsável por uma redução de preço dos painéis solares na casa dos 89%, desde 2010? Como se pode dissociar a transição energética do capitalismo, a matriz que possibilita o financiamento de inúmeras start-ups que, com enorme risco de falhanço, apostam em novas e promissoras tecnologias verdes?

Em boa consciência, não se pode dissociar tais mundos. A não ser que defendam que todos juntos, coletivamente, assumamos esse dispendioso risco de insucesso.

Dizia que as suas campanhas reprimem a sua agenda. Contornando o cinismo, vemos que isso é falso, porque a agenda que verdadeiramente advogam é a do anticapitalismo. A causa, essa, é instrumental. Mais, a causa, no fundo, é, inclusive, sacrificada nos altares do marxismo.

Não há queijo suficiente no mundo que conceda empatia para com estes amanhãs que cantam. Amanhãs que, pese embora cheirarem a queijo, não encantam, enjoam.