Loucura foi a palavra usada por Marcelo Rebelo de Sousa para classificar a possibilidade de mais uma crise no PSD. Kamikaze é a palavra que julgo mais adequada para adjetivar o pretenso ultimato de Luís Montenegro a Rui Rio. Pretenso porque, como decorre da História, o ultimato é feito por quem dispõe de maior poder. Não é o caso.

Por falar em História, não há dúvida de que a memória dos políticos é piedosamente seletiva. Só retém o que lhe convém. Talvez por isso Montenegro já não se lembre de ter dito, quando abandonou o hemiciclo, que nunca faria a Rio o que Costa tinha feito a Seguro. Verdade que não copiou exatamente o modelo. O problema é que ousou ir além de Costa. Não teve paciência para esperar pela primeira das três eleições que aí vêm.

Rui Rio desvalorizou o ultimato montenegrino atribuindo-o ao desejo de os seus apaniguados garantirem um lugar nas listas de candidatos aos próximos atos eleitorais. De facto, há, no PSD como nos outros partidos, militantes que não vivem para a política, mas da política. São os cargos que lhes alimentam muito mais do que o ego. Daí que seja a agenda pessoal a ditar a regra. Por isso a agitação que se vive em várias distritais.

Algo que ajuda a explicar o desafio publicamente lançado por Montenegro. Na verdade, o cisma provocado por Santana Lopes não deixará de fazer vítimas entre os seus antigos apoiantes. Rio não apostará em muitos deles. Um dado que os próprios dão por adquirido. Como tal, há que jogar na antecipação. Só que, a julgar pela reação de personalidades que continuam a marcar a vida do partido o tiro vai sair pela culatra.

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Não foi certamente por acaso que o Presidente da República se reuniu com Rio antes de receber Montenegro. Ou que Balsemão tenha falado de um “conteúdo patético” relativamente ao desafio lançado por um candidato fora de tempo. Tempo de que Montenegro dispôs quando se recusou a ir a votos contra Rio e contra Santana. Percebeu que ainda não era o momento. Deixou o aviso no próprio dia. Traçou uma estratégia à espera da oportunidade certa.

Porém, a saída borda fora de Santana foi má conselheira para Montenegro. Transmitiu-lhe a sensação de ser o líder único da oposição interna. Um erro de que não tardará a aperceber-se. Pedir a reunião extraordinária do Conselho Nacional do partido não é o mesmo que destituir Rui Rio.

Como se percebe, as palavras de Marcelo e de Balsemão vieram em apoio de Rio. Daí a troca de uma moção de censura por uma moção de confiança. Algo que se enquadra naquilo que seria expectável, conhecida que é a forma pouco efusiva de Rio estar na política. Uma mescla, ainda que em partes desiguais, de racionalidade e prepotência. Uma mistura pouco propícia a captar votos a nível nacional, como as sondagens deixam perceber. Só que uma coisa é o descontentamento com a estratégia de Rio e outra bem diferente o embarcar em aventureirismos desajustados no tempo.

A juventude irreverente de Montenegro não lhe permitiu seguir a estrada até ao fim. Não se lembrou – raio da memória! – da estratégia de Cavaco Silva e da pretensa rodagem do carro para chegar a líder do PSD. Precipitou-se e o partido não convive bem com os excessos de velocidade.

Aparentemente alheios a tudo isto há quem no PSD esfregue as mãos, sem que tal decorra do frio. Sabem que um kamikaze nunca sobrevive. Têm esperança de que, no entanto, consiga atingir o alvo. Que não o destrua, mas o fragilize o suficiente. Essas figuras sabem que Rio ganhará a moção de confiança, mas que a vitória tem tudo para ser pírrica. Esperam, ansiosamente, pelos resultados eleitorais. Sabem que a liderança do partido não pode cair na rua. Já começam a ensaiar o discurso. Por enquanto em surdina. Depois virá o essencial. Espalhar a ideia-chave. Alguém terá de recuperar a mensagem de Sá Carneiro.

Em São Bento, ao contrário de Belém, respira-se de alívio. A comunicação social já tem com que se entreter ou preocupar. As greves, as listas de espera nos hospitais, o tempo de serviço dos professores e as outras dores de cabeça vão perder tempo de antena.

Como o povo diz: enquanto o pau vai e vem folgam as costas.

Politólogo