1 O Conselho NATO-Rússia tinha pouco mais de dois anos de existência quando Boris Yeltsin indicou Vladimir Putin para Primeiro-ministro. Depois disso, gradualmente, o que era um fórum de consulta, de consenso, de cooperação, de decisão e de acção conjunta para as questões de segurança no âmbito da região euro-atlântica começou a esvanecer.

As razões para o distanciamento não se deveram apenas às velhas suspeitas russas sobre os alargamentos da NATO. A instalação na Europa do sistema de defesa antimísseis da NATO também levantou questões significativas.

Em 2007, Putin começou a pedir uma revisão do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Médio (Tratado INF) visando maior segurança. O General Yuri Baluyevsky, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas da Federação Russa, reconheceu que a Rússia considerou uma saída unilateral do Tratado INF, principalmente como resposta à colocação do sistema de defesa antimísseis da NATO na Europa e porque outros países, como a China, não estavam vinculados ao Tratado. No mesmo ano, a Rússia suspendeu e concluiu a sua saída do Tratado sobre Forças Armadas Convencionais na Europa. Pouco tempo depois, o Kremlin anunciou um investimento, durante 8 anos, de 100 biliões de dólares na modernização das suas capacidades militares e no desenvolvimento de sistemas de mísseis nucleares completamente novos. Hoje sabemos que as motivações de Putin eram outras. As acções russas na Abecásia e na Ossétia do Sul (2008), assim como na Crimeia (2014) e a presente ignóbil ingerência na Ucrânia ilustram esta afirmação.

2 Existe, desde 1725, na Rússia, um documento que, apócrifo ou não, parece ter influenciado o seu comportamento como Estado. Nem sequer a Revolução de 1917 e a consequente mudança de regime alterou a execução das ideias nele contidas: território e influência. Basta relembrar como os bolcheviques reagiam à perda territorial imposta pelo Tratado de Brest-Litovsk. Refiro-me ao Testamento de Pedro, o Grande.

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Em 2007, escrevi um artigo – Encruzilhadas – onde abordei a mudança da Rússia para um sistema capitalista, e o potencial de crescimento daí resultante, afirmando que não me admiraria se o germe da expansão se voltasse a manifestar. Afirmei que os «herdeiros» de Pedro, o Grande, pareciam estar revitalizados. Pelo menos, no que respeitava ao seu actual sucessor [Putin] no ressurgimento da Rússia no palco mundial.

Porém, errei num ponto da minha análise. Considerei que Putin utilizava o sistema de controlo característico do aparelho político da ex-União Soviética, mas que abandonava o método comunista fundindo estes factores na equação da democracia, quando, na realidade, o que Vladimir Putin estava a criar era uma estrutura política corporativista autocrática, similar à chinesa, sob a capa da democracia.

Geórgia, Crimeia e a invasão da Ucrânia servem para comprovar o padrão de comportamento de Putin. Mas aconteceu algo anterior que não pode ficar esquecido: a Chechénia.

Já escrevi sobre a estranha chegada de Putin ao poder. Como primeiro-ministro, e mesmo com Presidente interino, as sondagens indicavam-lhe baixos níveis de aprovação. Tudo mudou com a guerra da Chechénia. Lembram-se do que despoletou essa guerra? Foi a explosão de bombas em blocos de apartamentos em Moscovo, atribuída a terroristas chechenos. A retaliação russa, que arrasou Grozni (mais ou menos idêntica ao que está a acontecer em várias cidades ucranianas) fez de Putin um herói popular.

Vladimir Putin acaba de se comparar a Pedro, o Grande. Também deu a entender que sem a guerra de 21 anos não teria sido possível ao Czar russo, fundar a nova capital da Rússia, São Petersburgo, até porque a cidade foi construída em terras que nenhum país europeu reconhecia como russas. Ao ouvir tais palavas, pergunto-me onde é que Putin pretende fundar a nova capital russa?

3 Por que razão devemos continuar a apoiar a Ucrânia? Porque a queda da Ucrânia só servirá para que Putin prossiga este trilho. Não se ficou pela Crimeia, não se ficará pelo Donbass. Os líderes europeus devem evitar qualquer pressão sobre Zelensky que impliquem cedências territoriais. Para além de tal representar um incentivo para Putin, poderá igualmente significar o fim da unidade ucraniana em torno do seu Presidente. O que acontecerá depois? Que efeitos terá a queda da Ucrânia nos países da União Europeia e na NATO? Quem é que nos pode dizer que a guerra não chegará às fronteiras da Polónia e da Alemanha? Especialmente se demonstrarmos fraqueza? Não se iludem. É na Ucrânia que se combate pela democracia, pela liberdade e pelo respeito do direito internacional.

Como é que podemos demonstrar mais firmeza? Sei como funcionam as dinâmicas entre as instituições europeias, nomeadamente entre a Comissão e o Conselho Europeu. Creio que Ursula Von der Leyen, principalmente, e que Charles Michel tendem para a integração da Ucrânia na UE. Apoio essa medida, mas estou preocupado com o tempo que esse reconhecimento implicará.

Tempos de excepção requerem respostas extraordinárias. Assim, sugiro um procedimento Ad Hoc como forma de acelerar o processo. Estou ciente de todas as implicações inerentes a esta sugestão. Também estou ciente de que todos os países candidatos à adesão devem cumprir o acervo comunitário e que há outros países com pedidos anteriores. No entanto, nenhum desses países foi invadido, nem estão em guerra. Além disso, nesse mesmo procedimento Ad Hoc, seriam também expressas as condições subsequentes para que a Ucrânia se tornasse um Estado-Membro de pleno direito.

Devemos aprender com as lições da vida e da história. Tanto a pandemia como a invasão russa da Ucrânia demonstraram-nos que algumas decisões precisam ser reconsideradas. Não podemos depender apenas de um país (seja como fornecedor ou como parceiro) e que, por exemplo, precisamos urgentemente de formular políticas para incentivar a produção nearshore e onshore em inúmeras áreas. Mas o que está em jogo agora é salvar vidas. Não se trata de decidir políticas. Temos de reafirmar os valores que defendemos. É por isso que a atitude dos ucranianos nos comove profundamente. Eles estão a mostrar-nos que a Liberdade e a Democracia têm custos.

É inegável que sob a liderança de Ursula Von der Leyen as sanções europeias atingiram um nível sem precedentes. Mas é preciso ir mais além. Vladimir Putin não é confiável. Por isso, é necessário dar um sinal de firmeza inequívoco.

Membro da Comissão Executiva da Iniciativa Liberal

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