Com a manutenção das máscaras em contexto escolar, estamos perante uma palermice que está prenhe de estupidez e vem montada às cavalitas da malvadez. Para que servem as paletes de estudos que demonstram os efeitos nefastos da utilização de máscaras nas aprendizagens das crianças? O atraso dos petizes não incomoda esta gente?

A senhora diretora-geral da Saúde, sempre que quer anunciar a prepotência governativa relativa à castração das liberdades, tira a máscara. O mesmo fazem a senhora ministra da Saúde, o senhor primeiro ministro, o senhor ministro da Educação, o senhor Presidente da República e todos os hipócritas que consideram que, para que a sua comunicação seja mais eficaz, para que a mensagem chegue sem interferências aos destinatários, é necessário não ter a cara tapada. Portanto tiram a máscara. Mas, como muito bem registou o perspicaz George Orwell em 1945, os animais são todos iguais, mas uns são mais iguais do que os outros, ou seja, em tradução livre, os porcos mandam, os outros obedecem.

Já viram os apresentadores e apresentadoras dos telejornais a chegarem a vossa casa mascarados? Já viram as senhoras e os senhores deputados da nação a discursarem de máscara? Não, nunca viram, nem vão ver. E porque não? Porque é necessário que se entenda o que dizem, e que se entenda de forma clara, sem “ruídos” que perturbem a mensagem, sem panos que tapem a boca e escondam o movimento dos lábios, sem máscaras que ocultem a expressão facial. Claro, clarinho, como a água fresca da bela fonte.

Porém, são os mesmos senhores da governança, que obrigam, por decreto lavrado, assinado e devidamente publicado, que os profissionais que maior necessidade têm da comunicação oral, os professores, têm de manter a máscara em todos os momentos da ação educativa. A contradição, o absurdo não lhes chega? Acredito que grande parte deles tenha aprendido na escola, em tempos sem máscara, o que é uma demonstração por absurdo (reductio ad absurdum). Mas uma coisa é ensinar, e outra é aprender. Seria absolutamente desejável e fortemente expectável que estes dois processos se desenrolassem de mãos dadas e com grande simultaneidade, contudo, infelizmente, nem sempre assim é. Os professores dos nossos governantes certamente que se esforçaram, sem máscara, para lhes ensinar o que é uma reductio ad absurdum, todavia, a aprendizagem não se terá efetivado.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

É certo e sabido que muita da aprendizagem que se desenvolve ao longo da vida resulta de observações casuísticas, de processos informais não propriamente organizados para produzir aprendizagens. Equilibrando a equação, também é verdade que uma parte do que é ensinado não é aprendido (já se constatou a falha de aprendizagem dos nossos governantes relativamente à identificação de absurdos). Pois se, sem máscara, a taxa de eficácia do ensino fica sempre aquém das expectativas, o que dizer da eficácia do ensino com o presente exagero de anos letivos mascarados?

Não amordacem o ensino! Não prejudiquem as aprendizagens! Empenhem-se em aumentar o mais possível a taxa de eficácia do processo educativo, aproximando, por todos os meios, o que se aprende àquilo que é ensinado. Retirem a obrigatoriedade da utilização das máscaras por professores. Sigam o exemplo de Boris Johnson (The Guardian), que há já três meses apelava a todos os professores para deixarem as máscaras. «As crianças têm sido das mais duramente atingidas pelas mudanças durante a pandemia (…) é vital que as crianças recebam educação presencial e possam desfrutar de uma experiência normal na sala de aula».

Será que os alunos não se incomodam com esta farsa? Incomodam-se. Estão fartinhos. Logo que saem das aulas, retiram as máscaras. No recreio, onde se amontoam sem quaisquer regras de distanciamento, absolutamente impróprias para crianças e jovens, não usam máscara. Se pudesse existir transmissão do vírus em ambiente escolar, estava tudo contaminado. Como é que não lhes chega o absurdo? Será que algum dos nossos governantes seria capaz de frequentar um restaurante onde se lavassem os copos, mas não os pratos (que nojo!), onde se desinfetassem colheres, mas não garfos e facas? Aposto que não seriam capazes, e seria uma aposta ganha. E o argumento dos espaços fechados é ridículo e falso, porque bem sabemos que os restaurantes e as discotecas são espaços fechados e com amontoados de gente que não têm qualquer comparação com uma sala de aula.

Ouve-se dizer que os senhores governantes nutrem uma grande paixão pela educação, e todos eles certamente sabem que o desempenho da função docente, em relação ao qual depositam as maiores esperanças na capacidade para ensinar as crianças e jovens, assenta em variadas dimensões e tem a comunicação oral como o veículo principal da relação pedagógica.

O senhor ministro da Educação tinha agora uma boa oportunidade para vir a terreiro proclamar a defesa das aprendizagens, defendendo a queda das máscaras nas escolas e mostrando-se um pouco mais do que o seu antecessor. Espero-o? Não. Apenas sou capaz de formular o desejo de que acontecesse, a coberto do desgastado ditado popular “a esperança é a última a morrer”. Garanto-vos que a esperança é pouca, quase nula. Lembro que foi o atual ministro da Educação, na altura secretário de estado Adjunto e da Educação, o responsável pela abolição de todos os programas escolares (Despacho n.º 6605-A/2021), substituindo-os pelas aprendizagens essenciais. O que se poderá esperar de quem defende o mínimo para as aprendizagens? Pouco, pouco, muito pouco. Por vezes ponho-me a divagar se o senhor ministro também fará essa defesa do essencial consigo próprio e na sua própria casa. Será que a gravata lhe é essencial? E uma mesa com cadeiras para jantar é essencial? E água canalizada? E camisa lavada? É essencial para quê? Tivemos antepassados, não muito longínquos, para os quais era essencial ter um monte de lenha em casa para poderem cozinhar o jantar, mas não é isso que acontece na casa do senhor ministro. Defender o mínimo é empobrecer, e esse não é, por certo, o desejo da maioria, mesmo que a maioria tenha votado na manutenção de uma equipa governativa que demonstrou ter a qualidade de ser capaz de empobrecer o país.

Bem sei que já fomos obrigados a ir votar com a cara coberta com máscaras cirúrgicas (nome intimamente ligado à respetiva utilização durante as cirurgias, que só por excecional metáfora se pode aplicar ao processo eleitoral ou ao processo educativo), mas votar não exige discurso oral. Porém, ensinar exige-o. Não se ensina com a qualidade devida sem discurso oral, e este não deve ser infetado por obstáculos ridículos. E se os senhores governantes dispensam a utilização de máscara para favorecer a qualidade das comunicações que fazem, sejam então capazes de perceber o enorme disparate de manter e prolongar a obrigação do uso de máscaras pelos professores.

Alguém imagina a revolta que seria se, no ano letivo de 2018/2019, os professores de uma determinada escola decidissem ministrar as suas aulas de máscara? O que é que não diriam os alunos, os pais e as autoridades governativas? Que não se ouvia bem o que dizia? Que a comunicação oral, pilar fundamental da docência, estava coartada? Que a eficácia do ensino estava comprometida? Que os senhores professores eram charolas? Logo manifestações de alunos e de pais, notícias na comunicação social a denunciar o absurdo, seriam acompanhadas de um despacho ministerial a proibir tal prática, pois claro.

Mas o mundo mudou, a prepotência dos governos aumentou, a subordinação do povo às ordens estapafúrdias igualmente, e, portanto, caladinhos e mascarados, que é preciso medo e respeitinho. Se a senhora diretora-geral da Saúde (que declarou que a utilização de máscara era prejudicial porque dava uma falsa sensação de segurança) se combina com a senhora ministra da Saúde e com o senhor primeiro-ministro (todos aconchegados no colo sagrado do senhor Presidente da República, tal e qual o Menino no colinho do Santo António) para nos dizer, sem máscara, que nos obrigam a usar máscaras nas escolas até ao final do ano letivo (que depois logo se verá, porque a pandemia ainda por aí andará…), o que devemos fazer? O que devemos fazer? Vem-me à memória uma canção do Abrunhosa.