Nada ajudou tanto ao domínio socialista em Portugal como a confusão. Durante o ajustamento de 2011-2015, foi a ideia de que o país estava excelente, e que Passos Coelho, por capricho, o decidira punir com uma dose de “austeridade”. Agora, é a ideia de que António Costa, com o seu orçamento para 2023, faz apenas o que a direita, se estivesse no seu lugar, estaria a fazer. Porquê? Porque o orçamento cheira a austeridade, e a direita, claro, adora austeridade. Seria até a altura de a direita recolher a casa, e anunciar que Costa a substituiu. Convém talvez desfazer esta confusão.

“Austeridade” é o nome que damos à redução do défice público numa economia a crescer pouco, quando não em recessão. Ora, a austeridade não é uma preferência de direita: a austeridade é a necessidade em que todos, à esquerda ou à direita, se encontram quando faltam ou podem faltar dinheiro e crédito. Na Polónia, por volta de 1980, o movimento Solidariedade surgiu quando a ditadura comunista, arruinada, teve de cortar e subtrair. Sim, a austeridade também é comunista. Em Portugal, a recente austeridade não começou em 2011 com Passos Coelho, mas em 2010 com José Sócrates e os seus PEC. Não, Passos Coelho não trouxe a austeridade. O que Passos fez foi governar de modo a resgatar o país da situação em que o PS o deixou, sem dinheiro e sem crédito. Passos governou para acabar com a austeridade; Sócrates tinha governado para a tornar inevitável.

A austeridade também não é toda a mesma. Uma coisa é a austeridade como resultado das políticas dos outros: foi a austeridade de Passos Coelho; outra coisa é a austeridade como resultado das próprias políticas: é a austeridade de António Costa. Ao fim de sete anos de governo, Costa não precisa de manter o esforço fiscal e diminuir o investimento público por causa de uma qualquer herança desgraçada que tivesse recebido, mas porque optou por expandir o funcionalismo, e porque insistiu no estatismo que estrangula a economia.

Para sair da deriva em que o país está há demasiado tempo, a economia precisa de crescer decisivamente. É, porém, o que nunca poderá acontecer enquanto o PS insistir em limitar a liberdade das famílias e das empresas e em tirar-lhes meios. Entre 2011 e 2015, Passos Coelho não fez simplesmente austeridade. Passos criou, no meio de enormes dificuldades e incertezas, condições para o financiamento e o crescimento da economia. Depois de 2015, Costa aproveitou, esgotou e estragou esse legado. É por isso que, agora, o governo tem de olhar para a inflação, não como um motivo para ajudar verdadeiramente empresas e famílias, mas sobretudo como um meio de obter receita do IVA. É assim porque Costa governou para que fosse assim.

Está na altura de o PS sair e voltarem as direitas, não para a austeridade, mas para criarem condições de crescimento económico, que são também condições de segurança e de liberdade. Acontece, porém, que Costa está entrincheirado na sua maioria absoluta, que obteve aproveitando o crepúsculo do PCP e do BE, a patética desorientação da direita com Rui Rio, e a ansiedade com que presidente da república tentou fazer aprovar, sob ameaça de dissolução, o orçamento para 2022. Mas esta é uma maioria absoluta póstuma. O vazio orçamental, as reviravoltas no caso da TAP, a degradação do SNS, ou a dificuldade do governo com as incompatibilidades, tudo isso tem o mesmo sentido: com o PS, o futuro será sempre igual ao passado. Não, as direitas não têm qualquer obrigação de se rever no poder socialista nem de o acompanhar.

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