Em França, o mínimo que se pode dizer é que as eleições europeias foram apocalípticas: conhecidos os resultados, o presidente dissolveu o parlamento, e a seguir, os partidos começaram a fazer alianças inesperadas, esquecidos de linhas vermelhas, ou a dissolver-se a si próprios. Em Portugal, tudo tem sido diferente. Os votos contados, eis a oligarquia a dar a paz parlamentar por adquirida. Voltámos ao “oásis” de Sócrates? Em 2009, enquanto as finanças do mundo se desmoronavam, o governo anunciava aeroportos, pontes e TGV. Agora, perante a maior transformação dos sistemas de partidos na Europa desde a II Guerra Mundial, o governo anuncia mais uma vez aeroportos, pontes e TGV.
Estamos na mesma, ao contrário da França? Não. Estamos apenas a fingir que estamos na mesma. Comparem as europeias de 2019 com as de 2024. Tudo mudou. Há apenas quem não queira ver. O Bloco de Esquerda, por exemplo, perdeu mais de metade dos votos, mas preferiu festejar uma vitória imaginária. A restante oligarquia anda a fazer um esforço igual ao do Bloco. Acredita que as legislativas de 10 de Março foram um sonho mau, e que quando abrir os olhos, tudo voltará a ser como antes.
Não, nada voltará a ser como antes. As europeias de 9 de Junho provaram isso. O Chega não teve a percentagem de 10 de Março, mas mesmo com o candidato menos inspirado que é possível imaginar, teve oito vezes mais votos do que em 2019 e é o terceiro partido. A IL aumentou o número de votos em relação às legislativas, apesar do crescimento da abstenção. Os novos partidos não estão para desaparecer. Não manifestam simplesmente zangas ocasionais do eleitorado ou o fulgor deste ou daquele líder, mas a autonomização partidária de opções políticas fundamentais: o reformismo fiscal no caso da IL, ou o anti-wokismo no caso do Chega. É verdade que o PSD, a antiga frente eleitoral das direitas, não está no fim: ainda teve o dobro dos votos do Chega e da IL juntos. Mas já não consegue descolar do PS, como antes fazia quando “o ciclo político” mudava. O PS, entretanto, não parece capaz de aproveitar o colapso em marcha do BE e do PCP. A esquerda recuou em Portugal como na Europa.
Deixemos o futebol partidário. Que significa isto para o país? Os socialistas já não podem governar, mas não haverá um governo capaz de ir além do sistema socialista de distribuição estatal de benefícios, a não ser através de um arranjo entre as direitas.
Como conjugar partidos que todos os dias se fulminam uns aos outros com as pragas do Antigo Testamento? Talvez seja difícil, neste momento, que coexistam num governo, ou até numa maioria parlamentar. Mas será impossível que se entendam para pactos de regime sobre um ou dois conjuntos de acções, como aqueles com que PS e PSD antigamente se desafiavam um ao outro, sem por isso se aliarem ou violarem linhas vermelhas? Porque não? Por exemplo: um pacto para uma redefinição do papel do Estado, que levasse a reformas fiscais e regulatórias consistentes; ou um pacto para a determinação das condições de integração na sociedade portuguesa, de modo a disciplinar a imigração e a ressalvar, sem pôr em causa a circulação de pessoas, a coesão nacional.
Em França, Macron endividou o país loucamente, e espera agora manter o poder assustando os franceses com o risco que, nas condições que ele próprio criou, está associado a qualquer ruptura. Em Portugal, a dívida e o envelhecimento previnem rompimentos bruscos, mas desaconselham também uma governação dependente de rotinas socialistas ou de consensos com o PS, que só podem significar uma perigosa estagnação. Portugal não deve precipitar-se em aventuras, mas também não pode ficar parado: deve e pode começar a mudar. É essa a responsabilidade histórica dos partidos da direita.