Já sei que as sondagens não são as eleições. Também sei que os únicos resultados que contam são os que saírem das urnas na noite de domingo. Sei tudo isso, e ainda que não têm faltado, nos últimos anos, votações com surpresas. No entanto, as sondagens tendem, em geral, a significar alguma coisa, sobretudo no seu conjunto, e no caso destas eleições europeias, as previsões vão todas no mesmo sentido: o PS com uma percentagem frequentemente medíocre, mas distante do PSD, e o BE e o PCP com as percentagens de sempre, mas a par ou à frente do CDS. Se for assim, ou mais ou menos assim, teremos o resultado que mais naturalmente decorre do que os partidos parlamentares fizeram nos últimos anos.

O governo de António Costa e a sua maioria com o BE e o PCP não parecem ter convencido o país. Outra coisa não seria de esperar de partidos que, depois da rejeição das suas ideias nas eleições de 2015, nunca mais tiveram nada para propor, a não ser a mera defesa da situação existente contra a intenção de reformas atribuída a Pedro Passos Coelho. É, a esse respeito, significativo o recorrente esforço da maioria parlamentar para pintar os seus adversários como “radicais”, e decorar-se a si própria com prudências conservadoras. Em vez das bravuras keynesianas, das saídas do Euro ou dos repúdios da dívida, a geringonça fez outra coisa: segmentou  o país, dividindo-o entre filhos e enteados, e usando o Estado para favorecer uns à custa dos outros. Um exemplo: para ontem, esteve marcada mais uma greve dos inevitáveis camionistas de matérias perigosas. Não aconteceu, porque o ministro Pedro Nuno Santos reuniu rapidamente com quem precisava de reunir. É este o governo que temos: não tem nada a dizer ao país, enquanto conjunto dos cidadãos, mas tudo para dizer aos lóbis e grupos de interesse a que convenha ceder para continuar a mandar. Isto não dá para gerar entusiasmos, mas chega provavelmente para interessar certas tranches do eleitorado num voto que pareça garantir as vantagens obtidas.

O problema do PSD e do CDS é que nunca descobriram como reagir à política de segmentação. As noções de bem público e interesse comum,  dos primeiros tempos de oposição, não pareceram eficazes. Por isso,  direita deixou-se atrair fatalmente para o jogo da geringonça. É esse o sentido da votação parlamentar sobre as reivindicações do sindicato dos professores. Não sei se o episódio serviu para persuadir alguém de que Costa e os seus ministros ardem em zelo por um Estado viável. O que serviu certamente foi para convencer muita gente de que também o PSD e o CDS, tal como já antes as esquerdas, deixaram de acreditar no que quer que fosse, e estão dispostos a tirar partido de qualquer oportunidade para se aproximarem do poder. Foi esse precisamente o estado de espírito com que se fez a geringonça em 2015. O que quer dizer que, quatro anos depois, temos um parlamento em que ainda se distinguem as cores dos partidos, mas já quase não se distinguem as suas orientações. A direita parlamentar contribuiu dessa maneira para deixar o eleitorado sem outra bússola que não seja a da sua eventual dependência do Estado. O que naturalmente teria de favorecer quem, neste momento, está no poder.

Por toda a Europa, estas foram eleições em que os partidos dos regimes europeístas sentiram necessidade de fazer grande alarido com a ameaça de movimentos “anti-sistema”. Aqui, os quatro partidos do costume puderam dar-se ao luxo de nem dar pela existência de outros concorrentes. A geringonça reduziu o país a isto: cada um por si, e o BCE por todos. Nunca a sociedade portuguesa foi tão medrosa e egoísta.

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