São contradições a mais.

Nos últimos dias em Portugal pediu-se ao governo mão firme face a “Bruxelas”, em defesa da agricultura portuguesa. Já antes, aquando da apresentação da proposta do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) pela Comissão europeia foi muito criticada a redução substancial dos recursos destinados à política de coesão (os Fundos Estruturais).

Ora é paradoxal, uma verdadeira quadratura do círculo, que se reduza o orçamento europeu exigindo à União Europeia que continue a gastar o mesmo nas políticas tradicionais e invista em novas áreas, como o controlo fronteiriço, migrações, segurança, defesa, inovação, transformação digital, mobilidade jovem, acções externas, agricultura e coesão.

É impossível.

O QFP tem de dar resposta às exigências dos europeus, única forma de combater o populismo que cresce na Europa. Ciente da impossibilidade de aumento do orçamento devido em particular ao Brexit, a Comissão europeia apresentou o QFP possível ao mesmo tempo que apresentou uma proposta de revisão dos recursos próprios.

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Se não for aprovada, ou for insuficiente, à UE continuarão a ser exigidos resultados sem que tenha os recursos para os obter. Isso não obsta a que lhe continuem a ser imputadas responsabilidades no incumprimento desses resultados pelos mesmos que lhe negam o aumento dos recursos necessário. Círculo vicioso que faz da UE o melhor bode expiatório possível para os erros e a incapacidade dos governos nacionais cumprirem as suas promessas.

A expressão círculo vicioso tem neste contexto o significado que lhe atribuiu Aristóteles: atente-se na proposição “Só poderá haver uma integração bem-sucedida de economias e sociedades distintas, com os recursos adequados”; segunda premissa, “só poderão ser alocados os recursos adequados, em caso de uma integração bem-sucedida de economias e sociedades distintas”; concluir portanto que “logo, a UE é uma integração bem-sucedida de economias e sociedades distintas”, seria uma falha lógica.

E o que falha? A solidariedade. Um sentimento de destino comum. Não foi sempre assim.

Nos primeiros anos, a CEE dotou-se dos meios necessários para criar um mercado comum. Voltou a fazê-lo no final dos anos 80, quando Jacques Delors desafiou os Estados-membros (incluindo Portugal) a dotar-se dos recursos adequados a uma “integração bem sucedida”: e assim sucedeu Maastricht, a União Monetária, a cidadania europeia, o Erasmus, o Espaço europeu de Liberdade, Segurança e Justiça. O círculo, por algum tempo, foi menos vicioso.

No resto do tempo, infelizmente, emergem os egoísmos nacionais que se convencem que a expressão “a união faz a força” só é boa para os fracos. Assim desabaram Impérios.

Sobre a proposta da Comissão não cabe aqui desenvolvimento, os leitores poderão ler por exemplo a análise publicada em 21 de Maio pelo Jacques Delors Institut com o Bertelsmann Stiftung (“The MFF proposal: what’s new, what’s old, what’s next”).  Direi apenas que está longe de ser um assunto fechado, seguem-se longas negociações entre Conselho e Parlamento Europeu; que a distribuição proposta para a PAC prejudica mais os países do pilar 2 (desenvolvimento rural), como Portugal, do que os beneficiados com os subsídios à produção; que a redução dos fundos de coesão e a introdução de novos critérios para a sua distribuição, como o desemprego e as migrações, afectará mais uns países do que outros (resta saber quais, no balanço Leste/Sul); que é cedo para avaliar o impacto de todas as propostas contidas no documento da Comissão, tantas são as variáveis.

Retenho uma frase da análise referida: “(…) o volume da proposta do QFP de 2018 é cerca de 120 mil milhões superior ao proposto há sete anos, enquanto as despesas nos Estados-membros aumentaram 800 mil milhões no mesmo período”. Por que razão, então, tem sucesso o “mantra” populista contra a UE, comparando-se o orçamento europeu, de cerca de 1% do PNB dos 28, com os 49% em média dos orçamentos nacionais? Mais palavras para quê?

Apenas para dizer que a União corre de facto riscos; que bem tem andado o governo português, com outros (poucos) a defender o aumento dos recursos próprios da União; que reformas como a da União Monetária, agora mais ameaçada por um governo italiano assumidamente euro-céptico, ou o ajustamento alemão através de políticas orçamentais (e salariais) expansionistas, são necessários e urgentes; que o orçamento europeu é um tostão que não permite distribuir milhões, ao contrário do que continuam a reivindicar os mesmos que não querem ir além do tostão; e que os egoísmos nacionais fazem da Europa, de novo, uma manta de retalhos, capaz de se rasgar ao primeiro puxão.

Países fundadores da UE, a quase totalidade das grandes economias da Europa, vacilam perante os ventos infaustos da confusão política (Espanha), do populismo contraditório (em Itália, os programas originais do 5Estrelas e da Lega contêm contradições profundas), do Brexit, do imobilismo alemão (em claro fim de ciclo político e sob ameaça de um populismo próprio); talvez seja por isso chegada a altura da afirmação de países como Portugal, um dos poucos onde o vírus do populismo, do nacionalismo e da xenofobia não entrou (ainda, pelo menos). O nosso país pode afirmar uma ambição europeia, marcar a agenda, ser um propiciador de compromissos. Talvez não volte a haver uma oportunidade igual.

Para já, a batalha é pelo QFP. Em breve chegarão as eleições europeias e o debate sobre as grandes reformas na União. Portugal tem tudo a ganhar em estar na primeira fila, com a mão no comando.

Sabendo também que não pode haver mais Europa e mais políticas europeias sem o aumento dos recursos para o orçamento europeu. Sob pena de uma insanável contradição.