O PCP é o único partido em Portugal que tem uma visão de longo prazo. Enquanto todos os outros passam a vida a espiar o vizinho do lado e a oscilar nos seus rumos à medida do soprar dos ventos do momento, os comunistas mantêm-se fiéis a uma estratégia – sabem o que querem e o que fazer para o alcançar. Perceber este ponto de partida é fundamental para apanhar as duas mensagens principais que, este fim-de-semana, circularam no Congresso dos comunistas.

Primeiro, a mensagem interna – nos discursos dos congressistas. Vários elementos do Comité Central, que assumiram para si a opção de apoiar no parlamento a actual solução de governo, desdobraram-se em explicações aos militantes comunistas. Não, o PCP não foi domesticado pelo PS. Não, pelo PS não passa o caminho para o socialismo. Não, o PS não é um partido de esquerda nem um aliado ideológico do PCP. As explicações têm justificação: pela primeira vez, o PCP apoia um governo e aprova orçamentos de Estado, pelo que abriu a porta a todo o tipo de contradições óbvias face a posições passadas. Daí que, também justificadamente, a prioridade interna fosse separar as águas entre o PCP e o PS. A lista de prioridades elencada por Jerónimo de Sousa – sair do euro e da UE, impor o controlo estatal na banca, renegociar a dívida – serve sobretudo esse propósito. Esses não são os objectivos imediatos do PCP, são meras bandeiras que contrariam a natureza do PS e que ajudam a manter as distâncias. Nestes tempos de “geringonça”, o PCP percebeu que era importante insistir na identidade ideológica do partido, para que as bases comunistas assimilassem essa ideia de divergência insanável com o PS. Missão cumprida.

Segundo, a mensagem externa – nas entrevistas, nomeadamente a de Jerónimo de Sousa ao Público. A pergunta está em todas as cabeças políticas: a geringonça está para durar até ao final da legislatura (2019)? Por parte do PCP, sim. Mas com um grande “se” a servir de aviso. A geringonça durará se as suas partes se respeitarem e cumprirem o acordo (o actual ou outro novo a negociar) – isto é, enquanto todos conseguirem tirar o devido benefício político da situação conforme negociado. O PCP queria resgatar os seus sindicatos, revertendo a privatização nos transportes (o que seria das greves gerais sem o controlo dos transportes?), apostando forte na inversão de rumo na educação e recompensando os funcionários da administração pública – e está a ter o queria. O PS queria o poder – e tem-no de forma incontestada. E o BE queria crescer eleitoralmente e penetrar na máquina do Estado – e isso não lhe está a correr assim tão bem. Daí que, no final das contas, tenham saído dois recados do Congresso comunista – um para o BE e outro para o PS.

Ao PS, num momento em que as sondagens colocam os socialistas à beira de uma maioria absoluta, o aviso foi claro como água: se o PS largar a mão dos comunistas, terá uma oposição feroz e contestação social nas ruas. Porque, embora todo o país esteja de olho nas sondagens, o PCP sabe bem que o seu peso social é muito superior ao eleitoral. A influência do PCP na “geringonça” não se mede em votos, mas através do controlo que tem da máquina sindical, que pode declarar paz ou guerra ao governo. O PS que não se esqueça disso.

Ao BE, o PCP fez questão de indicar que o vê como o elemento menos fiável da “geringonça”. Sim, há finalmente convergências entre os dois partidos mais à esquerda. Mas há igualmente um assumido repúdio dos comunistas pelo vazio ideológico e pela busca constante dos holofotes mediáticos por parte dos bloquistas. Ao contrário de PS e PCP, o BE não definiu objectivos programáticos a extrair da “geringonça” e apenas almeja o crescimento eleitoral. Como tal, o PCP apontou o BE como principal risco para a estabilidade governativa: quando os bloquistas sentirem, frustrados pelas sondagens, que apoiar o PS não os favorece e que já não têm nada a ganhar ali, poderão forçar desentendimentos. Como aconteceu com a Caixa Geral de Depósitos. O PCP avisou-os que ficarão a falar sozinhos.

Concluindo. O PCP usou o Congresso para enviar uma mensagem interna – a sua diferenciação ao PS – e dois recados externos. Primeiro, cuidado com o BE, que é o elemento instável da geringonça. Segundo, que o PS não esqueça que precisa do PCP se quiser manter a paz nas ruas – e que, se trair os comunistas, terá a contestação social ao rubro. Os avisos estão feitos e são para levar a sério. É que, no PCP, palavra dada é mesmo palavra honrada.

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