Em 2015, o PS precisava de ultrapassar a sua (merecida) reputação de despesismo e de irresponsabilidade na gestão das contas públicas. Consequentemente, recrutou economistas prestigiados para desenhar cenários macroeconómicos, profissionalizou a preparação do seu programa eleitoral (bem-apresentado para facilitar a leitura) e foi a votos renovado e com um programa financeiramente equilibrado – a mensagem era que o PS de 2015 já não era o de Sócrates e já não iria explodir com a despesa pública. Agora, em 2019, a necessidade política é outra: com um ministro das finanças popular e a maioria absoluta no horizonte, o PS almeja votos com promessas generosas em cada sector – impostos que baixam, investimento público que aumenta, benefícios fiscais reforçados. Em conformidade, o programa eleitoral para as próximas legislativas abdicou das contas, das estimativas orçamentais e da profissionalização (está mal paginado, o que dificulta a leitura). E, claro, abdica também das propostas concretas, de forma a não ferir quaisquer susceptibilidades.

A diferença de 2015 para 2019 é digna de nota porque mostra como o PS é, actualmente, um partido imobilista e que não assume compromissos. Numa frase: a estratégia de poder do PS converteu-o no partido do status quo, estático no seu anti-reformismo. Dir-me-ão que não é novidade. Pois não é – desde 2016, tem sido frequente o assinalar desta predisposição política e, sempre que existiu margem orçamental, o PS preferiu servir o seu eleitorado e prescindir de reformas estruturais. Mas, ao contrário do que se tem dito, essa predisposição política não resulta da imposição de PCP e BE nas negociações partidárias, mas sim de uma opção própria do PS – como confirma o programa eleitoral.

Agarre-se num sector-chave e que foi foco de ampla tensão política nesta legislatura, como a Educação, e confirme-se. Um exemplo entre muitos: depois de o país tanto ter discutido as carreiras dos professores, o PS anuncia querer “promover a valorização e estabilidade” dos professores. Como? A descrição não poderia ser mais vaga: “proporcionar condições para uma maior estabilidade e rejuvenescimento do corpo docente” nas escolas TEIP; “estudar o modelo de recrutamento e colocação de professores com vista à introdução de melhorias”; “elaborar um diagnóstico de necessidades docentes de curto e médio prazo (5 a 10 anos)”; “criar incentivos à aposta na carreira docente e ao desenvolvimento de funções docentes em áreas do país onde a oferta de profissionais é escassa”; “promover o trabalho colaborativo dentro das escolas”; “avaliar a criação de medidas e reforço e valorização das funções de direcção das escolas”; “rever o modelo de formação contínua dos professores”.

A vacuidade destas propostas é tal que poderia constar do programa eleitoral de qualquer outro partido com representação parlamentar. Repare-se: não há uma única medida explicitada. Por exemplo, se quer “criar incentivos à aposta na carreira docente”, objectivo com o qual todos concordaremos, que tal indicar que incentivos serão esses? Afinal, a decisão política é mesmo essa – como fazer. De resto, essa impreparação marca o tom global: o PS compromete-se a “estudar”, “elaborar diagnósticos” e “avaliar a criação de medidas” em áreas onde os estudos estão feitos, os diagnósticos elaborados e as medidas avaliadas. Tudo isto seria paupérrimo se, nas entrelinhas, a mensagem não passasse de forma cristalina: o PS informa que não sacrificará o seu projecto de poder em nome de eventuais reformas impopulares, por mais necessárias que sejam.

É uma tecla gasta, mas na qual importa continuar a bater: qualquer projecto político que vise constituir uma alternativa ao PS terá, forçosamente, de se definir como um projecto reformista – porque essa é a antítese do PS. As reformas estruturais (na educação, no mercado de trabalho, na economia) só se farão contra o PS e contra os poderes instalados – e nunca ao lado do PS. Evidências que, na actual liderança do PSD, não foram devidamente assimiladas, como têm sido, felizmente, no CDS-PP. Mas evidências que, a partir de 2020, terão de estar no centro da reconstrução da direita.

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