O acesso aos serviços de saúde degradou-se nos últimos anos e ascendeu, desde então, à primeira linha das preocupações da população, que pede reformas no sector. Semanalmente, as notícias sobre falta de médicos e sobre serviços de urgência encerrados servem de lembrete para a magnitude dos desafios organizacionais do SNS — onde faltam recursos humanos e uma gestão adequada da rede, prejudicando milhares de utentes que não recebem atempadamente os cuidados de saúde de que carecem. Este diagnóstico de um SNS em crise e sob enorme pressão já se pode considerar consensual. Com maior ou menor dramatismo retórico, todos (utentes, especialistas, partidos políticos) insistem no óbvio: a situação atual não pode perdurar e medidas reformistas devem ser implementadas, de forma a enfrentar as “muitas dificuldades a superar” no SNS (nas palavras do próprio ministro da Saúde).

Consequentemente, são incontáveis os editoriais e artigos de opinião que reclamam melhorias na gestão do sector da Saúde e reformas estruturais do SNS. Ou seja, o debate público está inundado de apelos a reformas estruturais, legitimados por sondagens que confirmam ser esta uma das grandes expectativas da população quanto às políticas públicas. Esta urgência levar-nos-ia a confiar que propostas reformistas sérias e bem elaboradas fossem recebidas com entusiasmo pelo debate público — não forçosamente com concordância, mas pelo menos com a satisfação de se poder discutir soluções possíveis e promover algum tipo de entendimento para melhorar o acesso aos cuidados de saúde.

Não foi o que aconteceu. PSD e IL apresentaram recentemente as suas propostas para o sector da Saúde. Estas têm pontos em comum, como seria de esperar, mas também abordagens estratégicas muito distintas — por exemplo, a IL avança com uma proposta de mudança sistémica através de uma nova Lei de Bases, enquanto o PSD opta por alterações cirúrgicas (e, por isso, mais fáceis de negociar na arena política). Mais importante para o ponto deste artigo: as propostas foram recebidas com indiferença e remetidas ao silêncio — não suscitaram um debate público alargado e ficaram limitadas à bolha parlamentar, onde a maioria absoluta do PS manda. Como tal, os socialistas chumbaram em bloco as propostas do PSD, sem que tal atitude gerasse ruído na opinião pública.

Este contraste deveria fazer-nos reflectir. Na expressão certeira de José Miguel Júdice, “muito do que é importante é realmente, vezes de mais, inaudível”. Por um lado, pedem-se reformas estruturais para o SNS. Por outro lado, quando aparecem propostas de reformas estruturais para o SNS, estas são (quase) ignoradas. Na semana passada, escrevi sobre um contraste semelhante na Educação, que todos consideram ser prioritária mas cujas falhas geram indiferença quase absoluta no debate público. Portanto, o problema é transversal, não pertence a um ou a outro sector. O país vive refém de consensos inconsequentes, de uma sociedade civil pouco exigente e da sua incapacidade para mudar. Por mais ingrato que seja, é também essa apatia que os partidos na oposição têm de derrotar.

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