A tensão entre o BCE e alguns governos é cada vez maior, especialmente com críticas de grandes países como a França e a Itália, mas também da Finlândia, a que se está a juntar Portugal. A primeira-ministra finlandesa, citada pelo EUObserver, vai ao ponto de dizer que o banco central está a proteger a sua credibilidade lançando as economias para a recessão. “Temos de fazer o que temos de fazer”, foi a resposta dada por Christine Lagarde na última reunião de quinta-feira, dia 27 de Outubro, quando anunciou mais uma subida “jumbo” das taxas de juro.
A posição crítica que está a ser protagonizada por alguns países radica na convicção de que a subida dos juros não vai controlar a inflação, provocando apenas recessão – o que parece encontrar fundamento como veremos adiante. Mas a oposição à subida dos juros por parte do BCE também se explica pela situação específica de cada país, o que faz com que o desafio da política monetária seja ainda maior.
Comecemos pelas diferenças em matéria de dívida. Países endividados, como Portugal e a Itália ou com elevada exposição a taxa variável, como a Finlândia, têm na subida dos juros um desafio maior. Além da pressão sobre as contas públicas, no caso português, as empresas, e especialmente as famílias, vão enfrentar em simultâneo preços mais altos e encargos financeiros mais elevados, uma pressão acrescida para as contas.
Portugal é um dos países do euro onde mais pesa a taxa variável (68% dos novos contratos de acordo com o BCE citado pelo Eco), num ranking em que a Finlândia ocupa a primeira posição (97,7% dos novos contratos). Não é, por isso, de estranhar que pertençam ao grupo dos críticos da subida dos juros pelos efeitos que tal poderá ter na vida do país.
Temos depois os ritmos diversos de subida dos preços. A taxa de inflação de 10,7% na Zona Euro, em Outubro, tem por trás situações muito díspares. Por um lado, estão os países Bálticos, onde os preços estão a subir a taxas superiores a 20%, e, no outro extremo, está a França, onde a taxa de inflação, embora mais alta, está estimada em 7,1%, a mais baixa da Zona Euro. É por isso natural que o Governo francês considere um excesso esta subida dos juros.
Esta disparidade da inflação no espaço do euro é também a imagem do impacto muito diferente que a guerra na Ucrânia está a ter na vida energética de cada um dos países. A França, com energia nuclear, está muito menos dependente da subida do preço do gás do que os países bálticos, por exemplo.
E estas diferenças entre as taxas de inflação de uns e outros suporta um dos argumentos usado contra a política do BCE: esta é uma inflação gerada pela guerra, é um choque de oferta e, como tal, as ferramentas tradicionais do BCE não conseguem fazer com que esta subida de preços desapareça. O resultado, argumentam, vai ser lançar as economias para a recessão, ou agravá-la nos países em que ela já se perspetiva, sem controlar a inflação.
Um trabalho da revista The Economist parece mostrar que, de facto, a subida dos juros pouco ou nada está a controlar a inflação. Foram buscar os países que mais apertaram a política monetária, nomeadamente o Brasil, a Hungria, a Nova Zelândia, a Noruega, a Coreia do Sul, o Peru e a Polónia e concluíram que nem por isso a inflação baixou. Porquê? Avançam com três hipóteses: a primeira é que ainda é cedo para avaliar, a segunda é que os juros deviam ter subido ainda mais e a política orçamental também devia ter sido mais restritiva. Finalmente a terceira explicação, e a que parece começar a ter cada vez mais apoiantes, é que esta inflação é mais difícil de controlar, podendo estar já incorporada nas expectativas.
Seja qual for a hipótese, parece claro que a inflação vai durar mais tempo do que se esperava, mesmo que a Europa encontre alternativas para a energia, que alivie a pressão sobre os preços do gás, e mesmo que, como já está a acontecer, alguns preços, como o dos metais, comecem a subir menos.
A possibilidade de esta inflação estar já incorporada nas expectativas reforça, contudo, o argumento do BCE fazendo da defesa da sua credibilidade não um insulto, mas um elogio. Só a subida dos juros, infelizmente para a actividade económica, poderá contribuir para que as expectativas das empresas e das famílias regressem ao regime da inflação baixa. Não sendo fácil, não é impossível. Mas basta pensar que o problema da inflação poderia assumir proporções maiores se o BCE – ou os outros bancos centrais – se sentassem a vê-la subir.
Para países como Portugal é um problema. A subida dos juros é uma ameaça para um país em que empresas, Estado e famílias estão endividados, em que os empréstimos para a compra de casa estão muito expostos à subida dos juros e em que o turismo, que depende do poder de compra dos outros, tem um peso significativo na economia.
Temos de nos preparar para perder poder de compra pela subida da inflação e pela subida da prestação da casa, no caso de quem tem crédito à habitação. O Governo, através da política orçamental, poderá ajudar, mas a margem para apoiar será sempre limitada pela prudência que é necessário ter para não colocar Portugal em risco de não ter financiamento. Já houve um tempo em que o BCE era o nosso contentamento, agora é tempo de descontentamento, sem saídas milagrosas.