Os dois acontecimentos de 2019 que vão marcar o 2020 e os anos vindouros foram a vitória eleitoral de Boris Johnson e os protestos em Hong Kong. É interessante como ambos têm em comum a Union Jack como símbolo de liberdade e soberania. Apesar de admirar a cultura britânica (ou talvez precisamente por isso mesmo), fui dos que me decepcionei com a convocação do referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia. A democracia representativa, legado que os Britânicos nos deixaram, não merecia tal. Mas o está feito feito está e nada há a fazer que não seja continuar. O tempo tornou o Brexit inevitável ao ponto de não haver volta a dar.
Mas não foi só o mero decorrer dos meses e dos anos desde o referendo em 2016 e as eleições em Dezembro de 2019. A própria UE mudou. O primeiro sinal concreto dessa mudança deu-se a 26 de Setembro de 2017 com o célebre discurso de Emmanuel Macron na Sorbonne sobre o futuro da União Europeia . Neste, o presidente francês propôs a criação de uma força militar comum de intervenção europeia e o estabelecimento de um orçamento comum para a zona euro, que passaria a ter um verdadeiro ministro das finanças. Perante o afastamento dos EUA e da ameaça chinesa, a proposta de Macron é de mais integração europeia. Na medida em que o discurso da Sorbonne foi proferido um ano após o referendo do Brexit, não há dúvidas que para Paris o afastamento de Londres implica um fortalecimento da posição francesa dentro da Europa. Macron pretende no seu mandato corrigir o desequilíbrio que a reunificação da Alemanha provocou no Velho Continente em detrimento da França.
Assim sendo a UE de que o Reino Unido se afasta é uma União francesa. Razão pela qual a França foi dura nas negociações com o Reino Unido ao contrário da Alemanha que se comportou de forma mais contida. Berlim tem preferência por uma união de cariz comercial, monetária, que conta com o apoio militar norte-americano e vê em Londres um contrapeso às visões imperiais francesas. Esta Europa alemã, tão vilipendiada nos últimos anos pela esquerda que não gosta do comércio (esta ideia de Europa que referi num artigo que escrevi no jornal i em 2012 – link já não disponível no jornal), afinal não saiu vitoriosa, mas perdedora. Daqui a uns anos saberemos se o Brexit foi ou não uma excelente decisão. Saberemos se o Reino Unido teve razão antes de tempo, se saiu atempadamente da confusão europeia (como tem sido prática habitual ao longo da história) ou se cometeu um crime de lesa-majestade.
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