Os interesses fundamentais do Estado, relativos à independência nacional, à unidade, à integridade e segurança interna ou externa, à preservação das instituições constitucionais, bem como os recursos afetos à defesa e à diplomacia, à salvaguarda da população em território nacional, à preservação e segurança dos recursos económicos e energéticos estratégicos e à preservação do potencial científico nacional, estão protegidos pelo Regime Jurídico do segredo de Estado, aprovado pela Assembleia da República, na sua versão mais recente em 2014. A lei enuncia quais os documentos, as matérias e as informações, abrangidos pelo regime do segredo de Estado, cujo conhecimento por pessoas não autorizadas, é suscetível de pôr em risco interesses fundamentais do Estado. Lei acessível a todos, através de qualquer motor de busca ou no sítio do Diário da República, a sua leitura, por qualquer cidadão, mesmo sem formação jurídica, só pode levá-lo a concluir que o contrato de venda do Novo Banco ao Fundo Lone Star, não preenche nenhum requisito, que legalmente o possa classificar como segredo de Estado.
Então, porque não é esse contrato do conhecimento público, apesar dos reiterados pedidos da sua divulgação? A primeira possível resposta, seria que se trata de um contrato entre privados, nos quais o Estado, apenas empresta dinheiro a uma das partes – o Fundo de Resolução – que se comprometeu a devolver-lho, com juros, daqui a umas décadas. Tal argumento não tem qualquer validade. Não estamos perante um contrato entre privados. O Fundo de Resolução é uma pessoa coletiva de direito público, embora dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, com tantas centenas de outras entidades, obrigadas inclusive a publicitar os seus contratos, no Portal dos Contratos Públicos.
A segunda hipótese, é o próprio contrato conter disposições sobre dever de sigilo, por parte dos contratantes, prevendo inclusive penalidades, pela violação dessa clausula contratual. Mas essa disposição só é vinculativa para as partes. Portanto o contrato pode ser divulgado por terceiros, que a ele tenham legitimamente acesso. E essas entidades são várias. Portanto não o divulgam, simplesmente porque não querem.
A RTP 2, está a transmitir uma série de documentários, sobre “As maiores mentiras da História”. O episódio mais recente, contava como nos anos 70 do século passado, dois figurões, um belga e um italiano, burlaram a poderosa petrolífera ELF e todo o Estado francês, vendendo uma ideia de prospecção de petróleo através de “sondagens por avião”. Não se riam. O Estado francês, gastou nisto 1000 milhões de francos, com resultado zero na descoberta de carbonetos. As responsabilidades, apesar de todos os inquéritos parlamentares, ficaram com o mesmo resultado da burla: zero de responsabilidades.
A solidez do Grupo Espírito Santo, sabe-se hoje, foi uma continuada ficção desde a sua reprivatização em 1991 e deveria constar da lista das maiores mentiras, pelo menos da história de Portugal. Tal como o belga e o italiano com os carbonetos fantasmas, aqui o expediente foi comprar um Banco, para o qual não tinham nem capacidade, nem dinheiro, para que, montada a ficção, umas centenas de pessoas da mesma família, vivessem (estas sim) acima das suas possibilidades e talentos, nem que para isso fosse necessário, vender xarope para fazer crescer o cabelo.
Para imaginar a razão pela qual os cidadãos nunca irão saber o que se passou afinal com a novela do BES, seja o velho, o novo, o bom, o mau, o vilão, o péssimo, ou o abutre (para além de ser “uma grande aldrabice”, como acusava uma indignada mãe a António Silva no Pátio das Cantigas de 1942), vem a propósito um pequeno trecho duma crónica de Maio de 2018, do recentemente desaparecido José Cutileiro: “Quase meio século depois, os laços entre centro e periferia – entre Estado e povo — tinham cristalizado. Quanto ao que chamamos corrupção (termo que não era usado) em câmara municipal alentejana que conheci bem as coisas passavam-se assim. Quando o camponês, pequeno comerciante ou artífice tinha de lá ir, se o assunto fosse tratado a nível baixo, a gorjeta era 25 tostões; a nível alto, 5000 réis. Dentro do funcionalismo, porque presidente e vereadores, todos da mó de cima, não constavam da tabela. Trocavam favores.”
Onde está a câmara alentejana, ponha o Estado. Troque os tostões por euros e multiplique por muitos. Os favores, esses são os do costume.