1 Um dia destes, por acaso ou coincidência – mas deve sempre fazer-se caso do que falsamente se chamam coincidências – liguei a rádio a uma hora improvabilíssima. Uma voz fatigada desfiava um rosário de lamentações hoje já transformadas em situações de facto, dado o desrespeito com que o Estado trata os portugueses. A voz fatigada era a do maestro (ou assim me pareceu) da Orquestra Sinfónica Portuguesa confessando a pobre vida da orquestra e as deploráveis condições em que trabalham, estudam e ensaiam os músicos. Já sabemos que para o Estado um torneiro mecânico é o mesmo que um violinista e que os governos confundem “chatices” com as obrigações mínimas do Estado em matéria cultural (e sim, mesmo que às vezes as veleidades dos artistas sejam duras de roer). Mas ouvir o responsável por uma das nossas mais relevantes formações musicais confessar que “há 26 anos esperam por uma sala de ensaio”, como uns sem abrigo, reedita automaticamente uma desgraça nacional: o Estado odeia-nos. Somo um estorvo.

2 Duvido seriamente que haja muitos outros países onde o cidadão contribuinte não mereça existência própria, como aqui. Com a mais absoluta das normalidades pratica-se o desrespeito como regra. Pagamos mas não contamos. Não “se” acha que tenhamos direito aos deveres que incumbem ao Estado e já nem ouso evocar a consideração que mereceria alguém que contribui ininterruptamente e a horas com os seus impostos para o (suposto) bem comum. Mas não, é o contrário: os impostos – incendiários – que pagamos são inversamente porporcionais á gélida indiferença com que nos tratam.

Os músicos da Sinfónica vão ensaiando onde podem e as circunstâncias permitem. E quando calha ensaiarem no Salão Nobre do S. Carlos – onde se morre de frio no inverno e afogado em suor no verão, por não haver ar condicionado – “cai muita caliça das paredes”, segundo contou o próprio maestro. É natural: com o S. Carlos carenciado de obras como está e com paredes não destinadas a suster a vibração dos diversos instrumentos até admira que o próprio Salão Nobre não venha também um dia por aí abaixo.

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