Esta semana marcou uma mudança fundamental na política monetária dos países avançados. Nos Estados Unidos, a Reserva Federal aumentou as taxas de juro diretoras 0,75%, mais do que previsto pelos mercados. Também o Reino Unido aumentou a taxa diretora, e até o Banco Nacional Suíço subiu a taxa 0,5%. No caso da Suíça, trata-se da primeira subida em quinze anos, ainda assim deixando a taxa em terreno negativo para contrariar a apreciação do franco suíço.

Os Bancos centrais parecem ter deixado de lado as preocupações com a origem da inflação, que foi atribuída durante vários meses ao choque de oferta, nomeadamente nos combustíveis. Focaram-se em combater os efeitos da inflação elevada: a sua capacidade de ganhar uma vida própria e descontrolada se influenciar as expetativas das famílias, o efeito perverso nos rendimentos dos mais desfavorecidos e dos pensionistas e o efeito penalizador para os aforradores, que veem as suas poupanças perder valor.

No entanto, esta mudança para uma política monetária mais explicitamente restritiva não está isenta de riscos. Nos Estados Unidos, os mercados reagiram com quedas significativas nas ações e obrigações, aumentando também os riscos de recessão. Na Europa, o Banco Central Europeu marcou uma reunião de emergência para anunciar que irá desenvolver um novo instrumento para combater o risco de fragmentação, isto é, o risco de que os países mais endividados sejam excessivamente penalizados pelo fim de compras de ativos do BCE. Embora não se conheçam ainda os detalhes, esta nova medida poderá implicar compras seletivas de dívida de Portugal, Espanha, Grécia ou Itália.

O dilema do BCE é assim mais complexo, porque está a atuar de forma diferente em diferentes mercados. No mercado monetário, de muito curto prazo, o BCE quer subir a taxa de juro para conter a inflação. No mercado de dívida soberana, quer evitar subidas muito significativas das taxas de juro em certos países para não fomentar a repetição da crise da dívida 2010/2013.

É um equilíbrio difícil, que poderia eventualmente ter sido evitado se os países mais endividados tivessem reduzido mais rapidamente a dívida entre 2015 e 2019, quando as condições internacionais eram mais favoráveis. O saldo orçamental estrutural excluindo juros de Portugal, da Itália, da Espanha e da Grécia deteriorou-se nesse período, aumentando em certos casos o fosso orçamental face aos países menos endividados. Por outro lado, o adiamento, esta semana e sem prazo à vista, do seguro de depósitos europeu, o terceiro e último pilar para completar a união bancária, representa uma fragilidade para o setor bancário europeu.

Se o BCE tem interpretado o seu mandato com uma flexibilidade que alguns consideram excessiva, também é certo que alguns Estados-membros poderão estar a usar essa flexibilidade para evitar avançar em reformas que são urgentes desde a última crise financeira.

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