Foi, finalmente, aprovado o novo orçamento de Estado. Continuo sem perceber este luxo português de meses para realizar eleições, meses para formar um novo governo, meses para aprovar um novo orçamento. Poderia, apesar de tudo, ter havido uma vantagem nesta demora. Dar a oportunidade de se rever o orçamento para se ter em conta a invasão russa da Ucrânia, uma guerra de agressão sem fim rápido à vista, uma campanha de conquista e anexação de território como não se via no nosso continente desde 1945. Não foi assim: em tempos de guerra acabámos com um orçamento de paz!

Presidente pediu, partidos não quiseram

Marcelo Rebelo de Sousa até usou o discurso do 25 de Abril para destacar a necessidade de reforçar o investimento na Defesa. Infelizmente, António Costa e o PS acharam que nada havia a alterar a esse respeito. A oposição também não deu grande prioridade à questão. Tanto quanto percebi, a maioria das suas emendas centraram-se nos antigos combatentes, tema relevante, mas não quando se trata de investir mais nas Forças Armadas para melhor as adequar a uma nova situação de guerra. Do lado da imprensa, a questão não foi ignorada, mas não terá merecido grande destaque.

Admito que isto seja resultado do desinteresse dos portugueses. Mas recordo que uma sondagem recente concluiu que 69% dos portugueses consideram que vamos viver num mundo mais perigoso na próxima década, e 70% considera que não se gasta o suficiente em defesa. Admito que António Costa tem razão quando diz que a grande questão é como distribuir verbas orçamentais sempre escassas, num país fortemente endividado, entre diferentes prioridades. E pode bem ser que a maioria dos portugueses concorde que a prioridade deve ser aumentar a despesa em Saúde em 10% ou em Segurança Interna em 8%. Já do lado da Defesa, em relação ao orçamento previsto em 2021, o de 2022 até reduz o montante orçamentado em 800.000 euros. Mas faz mesmo sentido que um dos países mais seguros do mundo não possa deixar de aumentar o seu orçamento de segurança interna em 8%, mas não considere necessário reforçar o orçamento da defesa externa num contexto de guerra aberta na Europa e de empenho reforçado de meios pela NATO?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Uma nota positiva parece ser que, entre 2021 e 2022, subiu a dotação prevista para as Forças Nacionais Destacadas – as missões no exterior – e até se incluiu uma norma no sentido de que, sendo necessário, a verba será reforçada. Mas porque não se aumentou já a dotação prevista de 73 milhões para 100 milhões de euros? Seria um sinal concreto de reconhecimento da gravidade da situação, que permitiria mostrar que se está a avançar no sentido certo, e se irá aumentar concretamente a nossa disponibilidade para ajudar onde for preciso. Parece-vos muito? Não é, sobretudo quando se compara com o que tem sido anunciado ao longo dos últimos três meses por toda a Europa.

Uma poupança com custos

Este orçamento nacional de tempos de paz representa uma “poupança” na Defesa que terá custos imediatos e custos a prazo. Terá custos imediatos na reputação de Portugal junto dos aliados que estão a reforçar significativamente o seu investimento em defesa já este ano. A sempre rigorosa Alemanha deve aprovar hoje mesmo, no Bundestag, o anunciado aumento brutal do investimento em defesa, em mais 100 mil milhões de euros, a gastar ao longo de três anos. A frugal Holanda anunciou um aumento sustentado de 40% no seu orçamento da defesa, ou seja, mais 5 mil milhões de euros, o dobro do gasto português nesta área. A tradicionalmente pacífica Suécia anunciou um reforço dos seus gastos em defesa, este ano, em 300 milhões de euros. Um site de referência perguntava: “em um mês sete países europeus anunciaram aumentos no orçamento da defesa, quem será o próximo?” É natural que, externamente, se estranhe a opção portuguesa.

Esta decisão portuguesa também terá custos a prazo no reforço da capacidade para dar resposta mais eficaz a um mundo mais perigoso. Por exemplo, pela incorporação das lições aprendidas neste conflito, tanto mais relevantes quantos estamos a atravessar um período em que a tecnologia militar está a mudar de forma muito rápida. Por exemplo, reforçando a capacidade de resposta à crescente frequência e intensidade de emergências complexas, como vimos com a Covid-19. Se houver uma grave crise vulcânica nos Açores, quem irá evacuar as populações em segurança?

É verdade que Portugal já vem reforçando o seu investimento em defesa desde 2014. Mas fê-lo a partir de uma base muito baixa. Por isso, não vejo como Portugal possa, sem um real reforço do seu orçamento em defesa, atingir o compromisso de empenhar 2% do PIB nesta área até 2024. Este compromisso foi assumido por todos os Estados membros da NATO, em 2014, para garantir uma mais justa repartição do esforço de defesa coletiva, e para melhor se defenderem face a uma Rússia cada vez mais agressiva e a um mundo cada vez mais conflituoso. Em 2021, Portugal estava praticamente na média da NATO, com 1,5% do PIB investido em Defesa, empatado com a Alemanha. Daqui para a frente corremos o risco de sermos parte de um grupo cada vez menor e cada vez mais visível de Estados que não estão a avançar no sentido certo. Nestes últimos meses, até a Itália e a Espanha, também atrasadas neste campo, já declararam que vão reforçar o seu investimento em defesa nos próximos anos, com vista a atingir mais rapidamente os 2%. Portugal não deve ficar para trás.

Para o ano há mais?

Espero que orçamento do próximo ano, que temos de começar a preparar, seja a ocasião para corrigir este excesso de poupança. Temos a ocasião ideal. A Lei de Programação Militar, destinada a enquadrar a renovação ou aquisição de novos equipamentos militares, foi aprovada por ampla maioria em 2019. E tem em 2022 a sua primeira revisão de rotina. Novos investimentos em defesa são sempre demorados. Por isso, é fundamental que haja uma lei estruturante como esta. Não menos importante é que seja periodicamente revista para ter em conta novas circunstâncias. Espero que as verbas previstas sejam reforçadas com o apoio de uma ampla maioria no parlamento. Esse reforço deve começar a refletir-se num aumento do orçamento de Defesa já no próximo ano. Devemos, por exemplo, adquirir e reforçar as nossas reservas de vários tipos de armamento que se revelaram fundamentais no conflito na Ucrânia, e que são particularmente interessantes para um país com os meios limitados de Portugal – desde drones armados e de vigilância até sistemas de defesa da costa com mísseis anti-navio.

Sim, a definição de uma boa estratégia é a conciliação de várias prioridades face a meios limitados. Mas recordo que, durante a Guerra Fria, ou seja, até 1991, os países da NATO gastavam, em média, 4% do PIB em Defesa. Isso não impediu que esse tenha sido o período de maior crescimento da despesa em Saúde, Educação e Segurança Social da história da Europa. A meta dos 2% é, claramente, sustentável. Esperemos é que seja suficiente num Mundo mais violento e perigoso.