Na semana passada, Cavaco Silva escreveu um artigo muito contundente aqui no Observador, e deu uma excelente entrevista a Maria João Avillez. Foi o suficiente para as esquerdas entrarem em polvorosa e atacarem o antigo Primeiro Ministro e Presidente da República, directamente em artigos de opinião ou em declarações públicas; ou em privado em conversas com jornalistas (cujas opiniões foram depois devidamente transcritas). Como sempre, as direitas foram tímidas a defender um dos seus. Mas merece ser defendido. Mais, as direitas devem ter orgulho em Cavaco.

Cavaco não é apenas uma das principais figuras da direita. Foi o político português com maior sucesso na história da democracia portuguesa. Só há um modo indiscutível de medir esse sucesso: através das vitórias eleitorais. Cavaco ganhou três eleições legislativas, duas delas com maioria absoluta, e duas eleições presidenciais. Ou seja, em quatro eleições, mais de metade dos eleitores votaram em Cavaco. Ninguém teve tanto sucesso, nem Mário Soares (que foi aliás derrotado por Cavaco numa candidatura presidencial inexplicável). É isto que a esquerda não perdoa, nem nunca perdoará a Cavaco: o seu sucesso eleitoral. A esquerda acha que o povo é seu, mas nunca nenhum político foi tão votado pelo povo como Cavaco.

Cavaco foi o único político português que quebrou por um período longo a hegemonia política das esquerdas desde 1974. Como é que as esquerdas, que se sentem donas da democracia portuguesa, podiam disfarçar o ódio que sentem por Cavaco?

É indiscutível que os dez anos de Cavaquismo conheceram problemas. Ninguém consegue governar uma década sem cometer erros. Também não acho que o futuro das direitas em Portugal esteja no regresso ao passado. O regresso ao passado não existe politicamente. Mas há dois exemplos de Cavaco que gostaria de salientar.

Em primeiro lugar, a sua agenda reformista. Os governos de Cavaco fizeram reformas muito importantes. Tiraram o Estado de sectores relevantes da economia, reforçaram a justiça social em Portugal, e consolidaram a liberdade e o pluralismo da imprensa. Obviamente, os seus governos poderiam ter feito mais reformas, ou até melhores reformas. Mas Cavaco passou sempre a ideia de que Portugal precisava de reformas para ser um país mais rico e mais justo. Um país com o passado como o de Portugal, primeiro o Estado Novo e depois as loucuras revolucionárias de 1974 e 1975, necessita de reformas para melhorar. Nos últimos anos, com os governos socialistas, perdeu-se esse sentido reformista (que ainda existiu com Guterres, mas em menor escala). Neste momento, Portugal é um país sem rumo reformista.

Em segundo lugar, o exemplo do próprio Cavaco. Simbolizava uma pessoa de origens humildes e pobres que tinha chegado a PM através de um enorme mérito pessoal. Os portugueses olhavam para Cavaco e viam que seria possível, com trabalho e com competência, chegar longe. Cavaco mostrava que não se estava condenado a ficar onde se tinha nascido. Claro que não podemos criticar um PM ou um PR se tiver um passado privilegiado ou se a sua família for abastada. Mas exemplos como o de Cavaco são importantes para dar esperança a uma sociedade, especialmente de um país desigual e onde muitos exibem os seus privilégios sem qualquer mérito.

Curiosamente, Cavaco foi o único PM que veio do povo da província. Todos os outros PMs da democracia portuguesa vieram das burguesias urbanas. Até isso irrita as esquerdas. Cavaco não foi apenas o líder da direita que quebrou a hegemonia das esquerdas. Também tem o percurso de vida que orgulharia um PM de esquerda. Mas nenhum deles se pode orgulhar disso. Podem orgulhar-se de muitas coisas, mas de terem nascido pobres e terem triunfado à custa do seu trabalho, não podem. Cavaco teve a vida improvável num país muito injusto. Foi por isso que sempre quis um Portugal com mais justiça.

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