O governo afirmou a existência de um problema no ensino da Matemática. E até já tem diagnóstico feito: parte do problema está alojado no programa da disciplina, na medida em que na sua última revisão (2012) “houve uma antecipação de conteúdos e sabemos que estão a ser dados conteúdos aos alunos do 3.º ano que antes eram dados aos alunos do 5.º ano – e os alunos não estão preparados para isto”. A menos que o leitor seja um especialista em ensino da Matemática, discutir em que ano escolar se aprende o quê não levará a lado nenhum. Como tal, talvez o mais útil seja mesmo questionar o ponto de partida desta discussão. O governo diz que há um problema no ensino da Matemática e que este deriva, em parte, do programa – mas será que é mesmo assim? Os dados não o confirmam.
A Matemática é uma disciplina desafiante para muitos alunos. Não é novidade e os dados são quanto a isso inquestionáveis. Por exemplo, no ano lectivo 2015/2016, mais de um terço dos alunos no 7.º, no 8.º e no 9.º anos obteve nota negativa a Matemática (35%, 38%, 35%, respectivamente). Mais: metade dos alunos mais socialmente desfavorecidos (Acção Social Escolar, Escalão A) do 7.º ano teve negativa a Matemática nesse ano lectivo. E, para que se tenha noção da particularidade, em nenhuma outra disciplina os indicadores das notas negativas são igualmente elevados. Por isso, a preocupação do governo com o ensino da Matemática tem pertinência: estes números exigem uma resposta nas políticas públicas.
Ora, é a partir daqui que a discussão começa. É que, por um lado, os números acima revelam que existe um problema e que, em particular, as respostas devem ter em particular atenção os alunos em risco de insucesso escolar. Só que, por outro lado, os números não demonstram que o programa de Matemática tenha alguma coisa a ver com isso. Ou seja, ao escolher como alvo o programa de Matemática, o governo arrisca-se a dar um tiro ao lado do problema (e, até, a aumentá-lo) – por duas razões.
Primeira razão: os actuais programas da Matemática não estão na origem das notas negativas a Matemática. E é simples de explicar porquê: a liderança da Matemática no ranking das negativas não é um fenómeno novo. Pelo contrário: há pelo menos 20 anos que se fala do problema da Matemática e se vê alunos a fugirem da disciplina como o diabo da cruz. Segunda razão: os resultados a Matemática estão a melhorar. Ou seja, apesar de a situação justificar preocupação, os indicadores revelam uma rota de evolução positiva – olhe-se ao PISA (2000-2015) ou ao TIMMS (1995-2015). Sim, é certo que não se pode associar o actual programa de Matemática a estas melhorias (pois entrou em vigor em 2012). Mas estará o programa a prejudicar? Nada nas avaliações internas e nos exames o sugere. E estará o programa a contribuir para a melhoria? Para saber ao certo, há que aguardar pela avaliação do PISA 2018 (será publicado em Dezembro 2019). Ou seja, um processo bem-informado implica que a revisão do programa de Matemática passe à próxima legislatura, quando existirem dados comparados e for possível conhecer o impacto do actual programa nos desempenhos dos alunos.
Não é segredo para ninguém que a disciplina da Matemática é um dos palcos de combate político na educação. E, de resto, o programa da Matemática surge como uma das (poucas) medidas do governo PSD-CDS na educação que falta reverter pela actual maioria parlamentar. Mas, pondo de parte o braço-de-ferro político, não há como fugir ao óbvio: sim, há que melhorar na Matemática; mas não, não há indicadores que justifiquem as certezas do governo, que (em parte) responsabiliza os programas pela elevada incidência de negativas na disciplina.
A ambição de alterar o programa de Matemática irá, certamente, atrair o habitual debate que opõe “facilitismo” e “exigência” nos conteúdos do programa. No entanto, o ponto aqui é mais simples: em termos de projecto reformista, está-se mais próximo do facilitismo do que da exigência. É mais fácil mexer num programa do que reforçar medidas de apoio aos alunos em risco de insucesso escolar. É mais fácil agradar aos parceiros do que prosseguir reformas dos adversários políticos – na arena parlamentar, BE e PCP são há anos críticos ferozes do programa de Matemática. E, sobretudo, é mais fácil decidir com base em convicções do que esperar uns meses pelos dados empíricos que orientariam passos seguros – no final de 2019, serão publicados dados particularmente relevantes para a avaliação do programa de Matemática. Afinal, a tão pouco tempo de ter indicadores fiáveis para guiar as políticas públicas, haverá mesmo necessidade de arriscar destruir algo que (goste-se ou não) pode estar a correr bem?