Em 2006, a maioria de esquerda no Parlamento implementou a lei da paridade de género, que obriga os partidos políticos a incluírem, pelo menos, um terço de mulheres nas listas de candidatos à Assembleia da República. Confesso que, quando a lei entregou em vigor, sendo eu ainda mais ignorante do que aquilo que sou hoje, era contra a implementação de quotas, pois considerava-as uma distorção do mérito. Nos últimos anos, porém, mudei completamente de ideias. As quotas são absolutamente indispensáveis enquanto instrumento que permite acelerar a mudança de valores e normas sociais quanto à representação feminina em órgãos políticos. Queiramos ou não, as quotas são a solução institucional menos má que permite mitigar a histórica dominação masculina dos órgãos de poder. A questão do mérito é imaterial neste caso, na medida em que a investigação em ciência política e economia mostra, para lá de qualquer dúvida, que as mulheres que entram “através da quota” são, por norma, muito mais qualificadas e educadas do que os homens que têm de sair para dar-lhes lugar.

Nos últimos anos, juntamente com Mariana Lopes da Fonseca e Miguel Won, tenho-me dedicado a estudar o dia seguinte à implementação das quotas. Isto é, adoptadas as leis de paridade de género será que ocorrem, de facto, mudanças nas normas sociais e nos valores? No caso português, as conclusões são desanimadoras. Para perceber se os partidos políticos promovem a participação activa das mulheres na vida política, utilizamos os debates parlamentares. Existem três conclusões principais que podemos extrair.

Em primeiro lugar, a lei da paridade ajudou, indiscutivelmente, à participação mais activa das mulheres nos debates parlamentares. Esta participação tem enormes impactos em contrariar estereótipos e ajudar à promoção da igualdade. Em segundo lugar, contudo, nos debates parlamentares de maior importância, naqueles onde existe maior mediatismo, como moções de censura, debates com o Primeiro-Ministro, os dados são inequívocos em demonstrar que as mulheres continuam a ter menos oportunidades de participar nos debates parlamentares. A discriminação das mulheres ocorre de forma indirecta, isto é, como estas têm menos posições de poder nos partidos parlamentares, têm menos oportunidades de participar nos debates mais importantes. Este efeito é especialmente visível no Partido Comunista e no Partido Socialista. Este último é um caso especialmente interessante, na medida em que, apesar da sua retórica de igualdade, foi o único – à excepção do PCP – que nunca teve uma mulher na sua liderança.

Em terceiro lugar, a nossa investigação mostra ainda que as mulheres que entram no Parlamento depois da lei da paridade demoram mais tempo a atingir o mesmo nível de participação em debates parlamentares quando comparadas com mulheres que entraram no Parlamento antes da lei da paridade. Por outras palavras, existe discriminação entre as mulheres que os partidos escolheram “livremente” e aquelas que foram impostas pela lei da paridade. Estas últimas têm de dar mais provas de fidelidade partidária e competência até que sejam chamadas ao mesmo grau de responsabilidade das suas congéneres pré-quota.

Estes resultados mostram bem que Portugal continua a ser uma sociedade profundamente patriarcal. De resto, basta ver as reacções recentes ao #MeToo português. Foi especialmente interessante observar o que aconteceu quando uma jornalista teve a coragem de denunciar um editor literário e o modo como as personagens do regime, todas de esquerda e com grandes credenciais feministas, de resto, fizeram uma cerca sanitária em redor do dito editor. O movimento não é novo, de resto. Desde a pedofilia na Igreja, passando pelo assédio sexual nos Estados Unidos, nas primeiras fases existe um toque a rebate em que toda a gente garante que é impensável que aquela pessoa tenha feito a monstruosidade de que é acusada até porque “conheço-o há mais de 40 anos”. Devido à pobreza indígena e à pequenez do meio, que condena as denunciantes à indigência social, temo que, em Portugal, as coisas continuem na mesma. É a nossa sina, e sempre será.

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