O presidente do Conselho Económico e Social (CES) Francisco Assis devia hoje à tarde apresentar, com Luís Marques Mendes, o livro de Luís Rosa O Governador. A meio da tarde de ontem ficou a saber-se que cancelou a sua presença. Relatando a visão do ex-governador do Banco de Portugal Carlos Costa sobre os anos de 2010 a 2020, o livro tem gerado ondas de choque reveladoras da dificuldade, para dizer o mínimo, com que hoje quem nos governa enfrenta as críticas e até apenas perspetivas diferentes das suas.
Vale-nos o facto de Carlos Costa ter tido a coragem de partilhar o que se passou, sujeitando-se a consequências que já percebemos que vão ser duras, mas assim contribuindo para conhecermos melhor a história recente do país. Assim como a forma como funcionam alguns protagonistas do poder que nos governa.
Na pré-publicação feita pelo Observador, ficámos a saber que António Costa pressionou o governador para manter Isabel dos Santos no BIC, afirmando que “não se pode tratar mal a filha do Presidente de um país amigo de Portugal”. No mesmo dia, depois de ter falado sobre a demissão do agora seu ex-secretário de Estado Adjunto, o primeiro-ministro anunciou que ia processar Carlos Costa por considerar que tal é ofensivo do seu bom nome.
Entretanto, através da TVI, conheceram-se novas revelações do livro, que será lançado apenas hoje, nomeadamente que António Costa, quando ainda não era primeiro-ministro, disse a Carlos Costa que um dos problemas que existia com o Banco de Portugal era “a existência de um alegado preconceito quanto a nomear militantes ou pessoas próximas do PS, que eram quadros do Banco de Portugal”.
Pouco tempo antes, Mário Centeno tinha concorrido para o lugar de diretor do Departamento de Estudos Económicos e não foi selecionado. O agora governador do Banco de Portugal e ex-ministro das Finanças nunca perdoou o que se passou, responsabilizando quer o ex-governador Carlos Costa como o ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar pelo que aconteceu. O que acabou por marcar as relações difíceis, mais uma vez para dizer o mínimo, de Mário Centeno com o Banco de Portugal enquanto foi ministro.
Mário Centeno também veio a terreiro criticar Carlos Costa. Falando sobre desigualdade, afirmou que “não reduzimos a pobreza e desigualdade em democracia se não respeitarmos as instituições, quer quando as servimos, quer quando as deixarmos de servir.” E acrescentou: “Permitam-me que deixe aqui hoje este apelo, um apelo de respeito pelas instituições”.
Não deixa de ser interessante que Mário Centeno, que tanto atacou o Banco de Portugal quando era ministro das Finanças, venha agora apelar ao respeito pelas instituições. Acusou, por exemplo, o governador de “falha grave no caso Banif“, a par de outras críticas do seu então secretário de Estado Ricardo Mourinho Félix.
Respeito pelas instituições é aliás o que tem faltado durante os quase sete anos de governação de António Costa. O Banco de Portugal foi uma das principais vítimas durante o consulado de Mário Centeno no Ministério das Finanças. As relações entre a Praça do Comércio e a Rua do Comércio só melhoraram, aliás, quando Carlos Costa deixou de ser governador e Mário Centeno se transferiu das Finanças para o Banco de Portugal. Mas houve outros alvos. Como o Conselho das Finanças Públicas quando era liderado por Teodora Cardoso, com considerações pouco edificantes por parte de alguns socialistas. Ou ainda a própria UTAO, quando desagrada na avaliação que faz das contas públicas.
A sucessão de casos a que temos assistido, que atingiram o seu máximo com o agora ex-secretário de Estado adjunto, Miguel Alves, revelam igualmente alguma dificuldade em respeitar as instituições. Como revelam um país em que o Estado está tomado pelo PS, como simbolicamente se expôs agora com a contratação de um jovem socialista de 21 anos para adjunto da ministra Mariana Vieira da Silva a ganhar mais do que um médico ou um professor.
Além das instituições, está generalizado o ataque sem pudor a todos os que se atravessam no caminho do PS. Foram caindo sem dó nem piedade. Assim como o Banco de Portugal deixou de ter defeitos desde que Mário Centeno se sentou na cadeira de governador, também lá mais atrás a EDP deixou de ser um problema quando António Mexia deixou de ser o presidente e até já pode fazer planeamento fiscal agressivo. Ou mais recentemente, Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa Portugal, que prestava um serviço público a explicar-nos as complexidades do sector da energia, também foi calado com sérias ameaças à empresa, por via de ter exercido o seu direito de opinião sobre o mecanismo ibérico. E estes são apenas alguns exemplos.
O Estado está a ser o PS e é por isso natural que o medo de falar tome conta de empresários, gestores e até ex-governantes num país em que quase tudo depende da decisão de um governante. O presidente do CES Francisco Assis pode ter razões mais do que justificadas por cancelar a participação na apresentação do livro O Governador, mas ficaremos todos a pensar se não será porque o Estado é o PS e no PS manda António Costa. Resta-nos esperar que existam mais pessoas sem medo como Carlos Costa. O livro de Luís Rosa O Governador está a revelar como o Estado já se confunde com o PS.