Alguém chamou recentemente à nossa era, a “idade da inveja”. As redes sociais são um permanente expositor e repositório de vidas (aparentemente) perfeitas e cheias de sucessos. A verdade é que antes de provocarem satisfação a muitos, provocam outras emoções e uma delas é a inveja. A inveja é dos defeitos menos valorizados e falados, até é socialmente aceite. Comparemos a aceitação social destas duas situações: uma pessoa irritada explicitamente com outra porque lhe fez genuinamente mal. Imaginem uma segunda situação em que alguém não gosta de outra pessoa porque a vê como ameaça ao seu direito egocêntrico de só ela poder existir. Não o manifesta de forma explícita, mas indireta. Com comentários depreciativos e murmuração disfarçada (já para não falar de coisas mais graves, como guerra assumida).
Como possível ajuda para este problema, falo outra vez em Simon Sinek, pois é indubitavelmente um dos autores e gestores mais interessantes da atualidade. Pelo rasgo de inteligência e visão. Ele desenvolve o modelo de James Carsey, no seu livro “O Jogo Infinito”. Ele usa este modelo para a estratégia competitiva das empresas, mas penso que podemos aplicar às nossas vidas (e à geoestratégia?). Em resumo, se estivermos mais interessados no nosso crescimento pessoal do que no dos outros, mais felizes somos, mais objetivos alcançamos e deixamos um mundo melhor.
Como é o modelo do “Jogo Infinito”? Sinek explica-o com o exemplo da Microsoft Vs Apple. Num táxi, viaja Simon Sinek e um gestor de topo da Apple. O primeiro pica o gestor ao dizer-lhe que a Microsoft lhe mostrou um gadget que supera o iPod, ao que o gestor da Apple respondeu, “não tenha dúvidas disso”. Simon Sinek ao relatar esta história, remata: “e assim acabou a conversa”. Conhece-se a valorização de ambas as empresas. A Microsoft ganhou aqui a batalha, a Apple ganhou a guerra. O jogador infinito compete com ele mesmo, o finito compete com os outros. O jogador infinito quer servir o cliente – quer resolver um problema – o finito quer vencer os competidores. O jogador infinito usa os termos, “estou à frente” ou “atrás” do competidor, o finito, “sou o melhor”, “o primeiro”. O jogador infinito procura melhorar o processo até servir da melhor forma o cliente, a causa, um valor, resolver um problema, se para isso envolver erros e fracasso. O jogador finito não é vulnerável e por isso não aprende – porque só se aprende, errando. Para o jogador finito, é sempre um jogo de ganhar/ perder e não de aprender. Por fim, o objetivo do jogador finito é o de ganhar à competição, o do jogador infinito é o de durar mais do que o competidor. O jogador infinito olha para o longo prazo, o finito, não.
Isto lembra-nos logo algum exemplo de guerra que estamos a viver no nosso presente… A lógica nunca é o crescimento pessoal mas o retirar aos outros (sabemos como a Rússia tem muitas armas mas na verdade a sua relevância económica é muito baixa – ler o artigo do Economista Ricardo Reis no Jornal Expresso de 25.02.22).
É chamado o defeito “feio”. Mas os invejosos são sempre os outros, dizemos bem humorados “que inveja”, “a boa inveja”. Mas não é um vício e um defeito nada pouco importante ou sequer pouco presente. De resto, nem eu nem o leitor estamos imunes deste defeito. A vida nem sempre é fácil e a claridade tem dias.
Também na área da gestão existem modelos de estratégia competitiva das empresas e que se podem aplicar a estes casos. Existem duas escolas, essencialmente. O modelo mais conhecido é o de Michael Porter (1980). Porter identificou cinco forças competitivas no mercado e indústria de qualquer empresa. Estas forças determinam a intensidade da concorrência e a atratividade dessa indústria. O objetivo da organização é gerir estas forças e conseguir alcançar maior vantagem competitiva. Na segunda escola – a “Resource Based View“– a estratégia competitiva tem mais um foco interno. Defende que para uma empresa melhor alcançar vantagem competitiva, deve focar-se mais em adquirir e desenvolver competências únicas no interior da empresa. A empresa foca-se nas suas capacidades para fazer face aos desafios externos e para melhor servir o cliente.
A inveja até é um defeito muito presente em homens de religião, afirma o Papa Francisco em várias ocasiões(curiosamente, em termos de temas mais falados em pessoas religiosas, o Papa insiste no tema da inveja, outros no tema do sexo). Na verdade, na Bíblia mais está presente a inveja nos homens “de bem” e de quem se esperava boa conduta, como o irmão mais velho do filho pródigo, Caim, irmão de Abel ou o Rei Saul. O irmão mais velho do filho pródigo era um “cumpridor” pouco convicto, Caim provavelmente era preguiçoso pois detestava Abel, mas não dava oferendas tão boas a Deus; por fim, Saul começou a odiar David no momento em que se sentiu ameaçado pelo seu poder. Ao início nada havia a dizer, mas lá dentro outra guerra grassava. Culpavam os outros pela devassidão, predileção ou poder, mas secretamente invejavam-nos. Era uma guerra que não queria ser revelada, como jogo de poker.
Também os filósofos Aristóteles ou Immanuel Kant falaram deste vício capital e Dante representa-o na “Divina Comédia”, através da personagem que habita o Purgatório e tem uma venda nos olhos. O objetivo desta venda é não assistir à sorte dos outros.
A inveja é um defeito silencioso, presente nas redes sociais, nas empresas e nas famílias. E nunca esteve tão presente porque a exigência de ser o melhor, mais bonito, mais inteligente, mais feliz, nunca foi tão grande. As pessoas não guerreiam por ter ideias diferentes. As pessoas guerreiam por pão e poder. Como se o pão não existisse e o poder fosse resolver o nosso vazio. Estamos em guerra permanente.
Tomemos ainda outro exemplo. Estamos sempre a falar de que o país necessita de reformas profundas e desconfortáveis para finalmente crescer e prosperar, mas nenhum governo quer arriscar com isso ficar com má fama e perder eleições. Se for um jogador infinito, não está preocupado com o dia de hoje ou se vai receber os louros ou não por esse trabalho. Faz o que tem de ser feito no interesse do país e das gerações vindouras. Trabalha para amanhã. Isso é verdadeira liderança de serviço e também gestão sustentável, essa que se fala tanto nos dias de hoje.
Se aplicássemos estes ensinamentos à vida, deixaríamos de dar importância a tantas guerras e a uma vida miserável a olhar para os outros. O que interessa ter em mente é aproveitar o nosso melhor e o que não temos, teremos se a sorte e trabalho o permitirem. Ou não é para nós. O objetivo final e foco de vida é o que devíamos ter presente. É escrever uma história que se vai desvendando à medida que se vai recusando desistir do objetivo e valores de vida.