Pedro Nuno dos Santos tem uma enorme ambição: ser o próximo líder do PS e primeiro-ministro. É uma ambição legítima. O que não é aceitável é aproveitar a maior crise económica desde 1945 para atacar empresas portuguesas, como a TAP, e comportar-se como um populista xenófobo. O jovem ministro anda preocupado com o protagonismo do seu colega da Economia, Pedro Siza Vieira (ainda por cima, promovido pelo PM), e procurou uma oportunidade para mostrar que existe. Falou para uma esquerda radical, nacionalista e populista. E, para essa audiência, nada melhor do que atacar uma empresa privada e com um acionista estrangeiro. A sua frase afirmando que a TAP é muito melhor gerida por portugueses do que por estrangeiros, atacando assim de um modo vergonhoso um gestor brasileiro e um investidor norte-americano, ficará na história das declarações mais xenófobas da democracia portuguesa. Junto a isto, André Ventura é um modelo de moderação. Ferro Rodrigues nada terá a dizer sobre proclamações xenófobas do seu jovem camarada numa audiência parlamentar?

Vamos então avaliar os resultados da TAP desde que chegaram os “estrangeiros”. Em 2015, ano da privatização, a TAP tinha uma dívida de mil e cem milhões de euros. Hoje, tem uma dívida de 900 milhões de Euros. A administração também reduziu a dívida garantida pelo Estado de 480 milhões para 140 milhões de Euros. Conseguiu ainda reestruturar a dívida, tendo maturidades mais longas. Além da redução da dívida, a TAP aumentou, e muito, as suas receitas. Em 2015, as receitas eram de dois mil milhões de Euros; hoje, são de três mil e quatrocentos milhões de Euros.

Além disso, a frota da TAP foi quase toda renovada (eu sei porque viajo na TAP entre Londres e Lisboa quase todas as semanas), e aumentou de 75 para 107 aviões. O número de passageiros anuais passou de 10 milhões para 17,5 milhões, um crescimento de 75% em quatro anos. A TAP entrou ainda em força no mercado norte-americano, passando de dois para nove destinos, incluindo o Canadá. Ou seja, passou a servir duas das maiores comunidades de emigrantes portugueses e a contribuir para o aumento do turismo em Portugal. O crescimento da companhia levou à criação de cerca de 3000 novos empregos. Se excluirmos as companhias low cost, como a Ryanair e a easyJet, a TAP está hoje logo a seguir às cinco maiores companhias europeias, a Lufthansa, a British Airways, a KLM, a Air France e a Iberia, e cada vez mais próxima desta última.

O aspirante a líder socialista, aparentemente, não liga muito a números, mas deveria ligar. A verdade é que a TAP se transformou numa das melhores companhias aéreas europeias. O jovem Pedro Nuno anda a dizer aos jornalistas que os acionistas privados queriam vender a sua participação na TAP à Lufthansa. Não sei se é verdade, mas se for, constitui mais uma demonstração do valor acrescentado pelos novos acionistas. Quando a TAP era inteiramente nacionalizada, a Lufthansa não mostrou qualquer interesse.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Os ataques do ministro Santos à administração e à gestão da TAP são ainda mais lamentáveis porque acontecem durante a maior crise de sempre do sector da aviação. Não há uma crise da TAP, há uma crise da aviação europeia, como resultado do Covid-19. Agora, a questão central é a seguinte: como sairão as companhias aéreas da crise? Os governos europeus sabem isso muito bem e já estão a ajudar as suas companhias de bandeira. Os governos francês e holandês já decidiram ajudar, respectivamente, a Air France e a KLM, ambos através de garantias para empréstimos. Os governos alemão e britânico vão ajudar a Lufthansa e a British Airways. E o governo espanhol decidiu dar uma garantia para a Iberia se financiar com mil milhões de Euros.

O caso da Iberia é muito relevante porque é talvez o principal concorrente da TAP. O “hub” de Madrid rivaliza com o “hub” de Lisboa, e ambas as companhias competem no continente americano, especialmente na América do Sul. O que está em causa é saber se muitos passageiros e turistas de todas as partes do mundo vão escolher Lisboa ou Madrid para viajar para o continente americano. O governo espanhol já está a ajudar a Iberia, e não é acionista. O governo português é acionista e em vez de ajudar a TAP, como fez Madrid, tem o ministro da tutela a brincar aos jogos de liderança partidária.

Pedro Nuno dos Santos está-se nas tintas para o futuro da TAP e para os seus trabalhadores. Só tem duas preocupações: falar para o seu eleitorado da esquerda radical, e aumentar o seu poder para colocar um ou dois dos seus boys na administração da TAP. Colocar um dos seus na TAP é um modo eficaz de mostrar ao aparelho a sua capacidade para liderar o partido no futuro.

O ministro Santos mostra ainda um entendimento curioso da democracia. Acha que aqueles que ganham eleições passam a encarnar o “povo”. Ele é o povo, decide pelo povo e executa pelo povo. Em democracia, a vitória eleitoral dá o direito a governar, não abre as portas ao poder absoluto. Os tiranos é que se consideram como simbolizando o povo. É a velha fórmula da mistura entre o Eu e a nação, usada por todos os ditadores.  Será que Pedro Nuno dos Santos também aceita que se a Europa nos dá dinheiro, então a Europa é que manda em Portugal? Ou só ele é que tem acesso ao poder absoluto assente num discurso populista? No fundo, o aspirante Santos não passa de um mini-Sócrates. O que obviamente António Costa já percebeu.