Decidi escrever este artigo depois de terem chegado duas clientes evidenciando PEP (primeiro episódio psicótico) após aprofundarem técnicas de meditação, sem o devido acompanhamento ou cuidado. Embora a meditação possa ser uma técnica útil para o alívio de sintomas psicológicos, a abordagem pode tornar-se perigosa quando não é devidamente elaborada pelas pessoas. Nessa medida, mais do que falar na experiência das minhas clientes, pretendo refletir sobre os perigos da meditação quando não é bem praticada.

A fim de compreendermos melhor o fenómeno, devemos primeiro entender como a meditação foi introduzida no Ocidente. Tudo parece ter começado nos anos 60, quando houve uma excessiva ‘mercantilização’ das práticas de meditação por um grupo de pessoas hippie. Essas pessoas, geralmente abertas à experiência na sua tipologia de personalidade, traziam na algibeira desejos de explorar novas realidades e um resquício de espaço para a transcendência LSD. Talvez seja por isso que os Beatles, em perseguição de Lucy in The Sky with Diamonds, acabaram por encontrar Maharishi Mahesh Yogi num nirvana mais próximo, e ele viria a introduzi-los à maravilha da meditação.

Os anos 60 fervilhavam de irreverência e experiência. Ao som do rock psicodélico, a Geração Beat confrontava o mundo numa dança desengonçada entre a liberdade individual e a vida em comunidade, o desafio à autoridade e a busca espiritual, como um bezerro a iniciar a sua marcha. Na busca pela redefinição, a meditação surgia como uma melodia ecuménica a infiltrar-se pela janela.

A meditação surge, portanto, como um anseio disruptivo, um desafio às normas da época, consideradas insuficientes para a alma, e a busca pela integridade e humanismo. Creio que, na sua essência, essa necessidade ainda persiste, visto que a meditação e o pensamento budista vêm sendo popularizados por diversas figuras proeminentes do empreendedorismo, atletas e artistas em geral — pessoas que estão constantemente sob grande pressão e com pouca margem para erros. A meditação torna-se, assim, uma necessidade para desacelerar o pensamento e proporcionar espaço e tempo ao indivíduo. Porém, na ‘Land of the Free’, o metro quadrado é demasiado caro e as contas precisam ser pagas no final do mês. Dessa forma, a boa ideia passa a produto, que deve ser o mais rapidamente possível mercantilizado para gerar lucro.

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De alguma forma, quem afirma isto é o próprio Jon Kabat-Zinn, pioneiro da abordagem meditativa em termos clínicos. Kabat-Zinn usa o termo McMindfulness para se referir à forte tendência mercantilista e consumista que se tem verificado em relação à meditação. Essa tendência acompanha a grande produção científica e a publicação de livros de divulgação sobre a boa prática da meditação. Tal como Kabat-Zinn, Jeff Wilson, no seu livro ‘Mindful America’, é um dos maiores críticos desta tendência de mercantilizar a meditação como uma espécie de panaceia. Fazendo um parêntesis, desconheço se existe alguma relação entre a morte de Jobs, as suas detalhadas biografias e o aumento substancial da meditação desde 2011. No entanto, numa visita rápida ao PubMed, verificamos que em 2011 foram publicados 687 estudos com a palavra-chave ‘Mindfulness’, e apenas três anos depois os resultados dispararam para mais do dobro.

Todavia, este aumento de publicações não se traduz necessariamente em algo positivo, já que quantidade não é qualidade. Parece que a velocidade da investigação acompanha uma certa expectativa irrealista, além de que produz artigos com baixa qualidade, reforçando o velho ditado que a “pressa é inimiga da perfeição”. Quem expressa essa preocupação à Vice é o próprio Richard Davison. Estas preocupações motivaram-no, juntamente com Daniel Goleman, a escrever o livro ‘Traços Alterados’, publicado pela Temas & Debates em Portugal.

É importante realçar alguns aspetos positivos da meditação segundo a literatura neurocientífica, sem transformar a neurociência numa espécie de nova frenologia. Existem estudos que parecem revelar benefícios da meditação. Por exemplo, o córtex pré-frontal ventromedial, região cerebral envolvida na tomada de decisões e na regulação emocional, pode ser fortalecido através da prática meditativa, melhorando, possivelmente, a capacidade de controlar as emoções. A ínsula, desempenhando um papel crucial na consciência corporal e emocional, também pode ser ativada através da meditação, levando a uma maior autoconsciência e empatia – elementos-chave para uma comunicação eficaz e relacionamentos saudáveis. Finalmente, a meditação pode contribuir para a diminuição da atividade na amígdala direita, área cerebral responsável pelas nossas respostas ao medo e à ansiedade, bem como reduzir a rápida ativação de certos gatilhos emocionais através da prática regular.

Porém, apesar da celeuma em torno destas investigações, Andrew Newberg, um respeitado neurocientista que conduziu um estudo clássico visando entender os efeitos da oração e da meditação no cérebro, bem como as suas respectivas diferenças, não encontrou diferenças significativas entre ambas as abordagens. As diferentes abordagens parecem produzir efeitos neuronais similares: durante tais práticas, a atividade aumenta no lobo frontal, associado à atenção e ao foco, enquanto diminui no lobo parietal, envolvido na percepção do Eu em relação ao mundo ao redor. Essas mudanças podem conduzir a sentimentos de conexão e unidade com o universo, percepções comuns a muitas experiências místicas e contemplativas. Portanto, embora as práticas específicas e as crenças doutrinárias possam variar entre diferentes tradições religiosas, a neurociência sugere que a experiência subjacente de oração ou meditação pode ser notavelmente similar.

Na minha opinião, esta generalização é perigosa porque existem diferenças significativas entre as duas tradições, algo que a neurociência claudica na sua explicação. Por isso é que Jung era cauteloso em relação a esta apropriação da meditação pelo Ocidente. Em primeiro lugar por causa do contexto cultural. A meditação não é uma herança nossa, sendo que a tentativa de a integrar como tal pode criar cisões na nossa psique por várias razões. Até porque o Ocidente é o palco do capitalismo e, embora um exercício que operacionalize os ativos possa ser muito sedutor para o capitalismo, esta abordagem não contempla a sombra psicológica da sociedade ocidental. Além disso, segundo Jung, a prática meditativa pode inflacionar o Eu conduzindo a pessoa a uma desconexão com a realidade. Jung alertava que a prática meditativa com forte ênfase na iluminação espiritual e transcendental poderia conduzir à negligência das necessidades e responsabilidades do indivíduo no mundo concreto.

O que nos conduz ao curioso paradoxo que encontramos no espinhoso terreno corporativo. De algum modo, parece que as grandes empresas estão sedentas em encontrar a fórmula que crie funcionários tranquilos e pacíficos, de modo a focar na produtividade e rentabilidade. Tal como explica Byung Chul-Han, a literatura americana é focada na cura. Almeja a optimização pessoal, curando terapeuticamente – ou, acrescento, meditativamente – qualquer fraqueza funcional ou bloqueio mental em nome da eficiência e do desempenho. É por isso que a meditação é tão apelativa para o modelo biomédico e as terapias cognitivo-comportamentais: porque apelam à redução do sintoma, reduzindo por si a complexidade da experiência humana ao sintoma, remetendo o ser humano, mais uma vez, à sua operacionalização funcional livre de erros. Quase como um produto inócuo e inexpressivo que purifica toda a alteridade e negatividade. Nessa medida, a pessoa deixa de pertencer ao pecado, nesta dimensão de supraconsciência que eleva a sua condição desse terreno pantanoso.

A verdade é que as diferentes tradições religiosas também afetam as tradições de pensamento. É por isso que vejo uma diferença significativa entre a neurociência de Sam Harris e a de António Damásio. Na sua imersão nas práticas meditativas, Sam Harris influenciou o seu próprio estudo e permitiu-se ser influenciado, chegando ao ponto de categorizar o Eu como um processo ilusório do funcionamento da nossa psique. Harris adota uma perspectiva fortemente influenciada pela tradição budista e argumenta que o sentimento do Eu é uma construção mental que não possui uma existência substancial ou permanente.

Por outro lado, António Damásio conceptualiza o Eu como um processo que ocorre através do funcionamento do nosso organismo em relação com o seu mundo interno e externo. É esse mesmo processo que nos permite ter um senso autobiográfico, a partir do qual não só se deriva a nossa história, mas também a organização das nossas emoções. Em certa medida, há quem acredite que esse apêndice possa ser facilmente eliminado através da autoconsciência. No entanto, Jung sugeria que o complexo do Eu é gerado pelas nossas emoções e mantido por fortes ramificações que nutrem e organizam a sua atuação.

O mergulho pelo tecido emocional só é possível com a ajuda de um guia e nunca sozinho. O guia ativa a alteridade através da estranheza e do diálogo. Só assim é que as emoções são verdadeiramente sentidas. Ilustrando isso, houve um dia em que, acompanhando um cliente meu que era aficionado pelas linhas esotéricas e a meditação, ele sonhou que me dava uma pedra de Celestina, ao passo que eu lhe devolvia uma nota de 10 euros. Este sonho traduzia a natureza da nossa relação: ele trazia-me o seu mundo espiritual, enquanto eu o ajudava a manter os pés na terra, isto é, a manter-se ligado à realidade das coisas.

Quando encontrei esse cliente, ele estava completamente perdido e corria o risco de se prender a algum outro plano. Situação semelhante ocorreu com outra cliente que chegou ao meu consultório expressando que o caos se tinha instalado dentro dela. Após vários meses a explorar a meditação, foi assaltada pela força da Kundalini, mas numa espécie de aura negra que passou a habitar dentro dela, arruinando a sua conceção do mundo e das relações até então, incluindo a sua relação com o namorado. No entanto, através do nosso processo, consegui perceber que a Kundalini era uma manifestação da sua sombra psicológica. Ou seja, esse tecido emocional traumático que provinha da sua história familiar e que era projetado na sua relação com o namorado.

Nesse sentido, sublinho a importância vital deste artigo, dado o desconhecimento que muitos apresentam em relação à prática da meditação e à sua relevância intrínseca. A meditação não pode ser trivializada, pois não é mero passatempo, mas sim uma ferramenta de profundo alcance que nos permite aceder ao nosso universo psíquico. Se a sua curiosidade o conduzir a explorar esta prática, assegure-se de que o fará sob a orientação de um especialista ou de alguém com vivência autêntica nesta área, e não se deixe seduzir por quem adquiriu um conhecimento apressado num curso intensivo de um mês, ou numa viagem à Índia marcada pela busca existencial.