A motivação para escrever este texto é antiga. No entanto, a última discussão à volta da discussão havida no Conselho Nacional do CDS relativamente à eventual resignação de Cecília Meireles para que Francisco Rodrigues dos Santos chegasse ao Parlamento, foi a gota de água que me faltava.
Infelizmente – e julgo que propositadamente – a discussão não foi direccionada para onde devia e ficou-se por declarações histriónicas sobre o direito pessoal, intransmissível e inalienável, que um deputado tem relativamente ao lugar que ocupa.
Não quero ir por essa visão redutora e até um pouco infantil, de me agarrar à leitura da Lei num sentido estrictamente literal, dando de seguida o salto “lógico” que foi o povo que escolheu cada um dos nossos deputados.
Os únicos, mas mesmo os únicos, que podem com – alguma – propriedade, afirmar que foram eleitos pelo povo através do voto, são os líderes partidários. E são porque eram as caras das campanhas e porque, em última análise eram, em quem neles votou, os desejados para 1º ministro. Cotrim de Figueiredo só foi eleito porque muita gente em Lisboa votou IL mesmo sem o conhecer, pois a cara era o Guimarães Pinto e era ele que tinha reconhecimento.
A narrativa que o lugar é pessoal, é uma falácia porque em Portugal vota-se em partidos e concomitantemente, num cabeça de cartaz para chefe de governo.
Sobre esta matéria muito tem escrito o Prof. Braga da Cruz (Inc. no Observador) alertando para este problema: A nossa lei eleitoral está desajustada da realidade e enferma de vícios adquiridos no período revolucionário, face aos equilíbrios que foram necessários manter pois o que não faltavam eram lunáticos com acesso a material de guerra. Logo após a aprovação da Constituição e durante alguns anos, PSD e CDS bem tentaram mudar alguma coisa, mas era impossível com os ânimos ainda aquecidos. Depois, e retirando umas alterações de pequena monta, todos se foram deixando adormecer à sombra de uma Lei que, como se constata de ano para ano, afasta as pessoas da sua participação política.
O actual status quo leva igualmente a situações indecorosas como é a da figura dos “deputados não inscritos”. Com a maior lata do mundo, pessoas que foram eleitas graças às máquinas – e ao dinheiro – dos partidos onde militavam e à popularidade do seu líder, resolvem sair do partido (depois de uma qualquer epifania) mas ficam no parlamento porque foi o povo que as elegeu.
A bem dizer, e com a excepção dos líderes, com a actual forma de eleição nenhum deputado tem moral para bater o pé e afirmar que o lugar é dele. A própria liberdade de voto é uma redonda asneira, pois deputados eleitos da forma como são (por escolha dos seus partidos em 1º lugar e de seguida com o voto do povo nesses partidos) não devem ter esse direito. Se estão em desacordo, resignam e vão à sua vida.
A única forma de permitir que alguém no parlamento se sinta legitimado para não resignar – seja lá por que motivo for – é ser eleito através de círculos uninominais, em que o eleitor vai por a cruz no nome da pessoa que quer ver no parlamento.
Voltando a Braga da Cruz: “ (..) não se propõe o abandono da proporcionalidade, mas sim, conjugá-la de uma forma efectiva. Um sistema de duplo voto, cada um deles para eleger metade do parlamento, o primeiro com método maioritário em círculos uninominais – em método de lista aberta – e o segundo com método proporcional de Hondt em círculo nacional (…)”.
Cabe aqui avisar que um sistema misto, como o referido, exige alguns ajustamentos à actual Lei eleitoral: Norma travão de % mínima de votos a nível nacional; Mínimo de deputados razoável por distrito desconsiderando o nº de eleitores; Moção de censura constructiva; Clarificação das coligações (ou não concorrem a eleições, ou não acabam no dia seguinte às mesmas, para que não se continue, p.ex., a assistir à vergonha dos Verdes)
O que temos em Portugal é exactamente o contrário da lógica – acima exemplificada – que devia imperar. Os nossos deputados são impostos pelas estructuras centrais dos respectivos partidos. Esta situação promove a manutenção de deputados legislatura após legislatura, mas também provoca a crucificação de boa gente que, atirada para um distrito longe do seu, atiça a animosidade das estructuras locais do seu partido e a desconfiança do eleitorado.
Voltando a Cecília Meireles: esta excelente deputada terá, ou não, que resignar se for esse o superior interesse do partido. O partido deve, pois, balancear as vantagens de manter uma óptima deputada (que, com o seu trabalho ajuda o partido), face à desvantagem (se assim se considerar) da ausência do seu líder no parlamento. É, pois, uma equação relativamente simples. O problema é que, em Portugal, pessoalizamos as questões, trazendo para o terreiro amizades, emoções e outros sentimentos que deviam estar arredados da discussão política.
Já é tempo de políticos que dizem gostar muito dos seus partidos, optarem por uma visão e postura instrumental: faço o melhor para o meu partido, para que este faça o melhor para o meu país.