1. Uma jornalista idiota telefonou-lhe a perguntar: “Qual é a sensação de saber que se foi condenado à morte pelo ayatollah Khomeini?” Ele respondeu: “Não é boa.” E pensou: “Sou um homem morto.” Foi assim que ele soube. Isto foi no mesmo dia em que Bruce Chatwin, que era amigo dele, foi a enterrar.

2. Ele não faltou ao funeral. Depois, quando chegou a casa da mãe do seu filho, a polícia britânica já estava lá. Da mesma forma aparentemente desorganizada mas firme com que resistiu a tantas outras ameaças, o país tomou conta dele. Dois pais que exigiram que o filho dele saísse da escola onde estavam os seus próprios filhos foram repreendidos pelo director da escola e o filho dele ficou. Os editores americanos dos seus livros também ficaram resolutamente do lado dele, apesar das ameaças de boicote. Amigos como Edward Said ficaram do lado dele.

3. Muitos outros afastaram-se dele. Editores adiaram edições. Jornais cancelaram entrevistas. Intelectuais manifestaram dúvidas: talvez ele devesse ter tido mais cuidado, mais respeito, porque quem era ele para ofender outras pessoas, etc. No fundo era um arrivista, um tipo a aproveitar-se da polémica para ganhar dinheiro, etc. O mundo está cheio de cobardes, prontos a pedir desculpa por serem pisados.

4. Khomeini tinha uma razão mesquinha para lançar a fatwa que condenava Rushdie à morte: precisava de congregar à sua volta as multidões desiludidas com o fiasco da guerra com o Iraque, doridas com a morte inútil dos seus filhos. Isso tornava-o humano e compreensível na sua crueldade brutal. Mas a gente que encheu as ruas de Londres e de dezenas de cidades muçulmanas pelo mundo para gritar contra ele, para rezar pela sua morte e para glorificar quem o matasse – essa gente não tinha nenhum motivo razoável, apenas cérebros cheios de ódio e estupidez.

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5. “Quando [a mãe] Neguin Rushdie morreu, um jornal paquistanês [escreveu] que todos os que tinham estado no funeral dela deviam implorar perdão a Deus porque ela era mãe do autor apóstata.” Isto não foi dito numa conversa de café nem escrito nas redes sociais. Foi escrito num jornal.

6. Foi no dia 14 de fevereiro de 1989.

7. “Mais tarde, depois de iniciada a praga, é fácil às pessoas verem o primeiro melro como um prenúncio. Ao pousar nas barras, porém, é apenas um pássaro. Nos anos vindouros ele [compreenderá] que a sua história é … o momento em que o primeiro melro poisa. … Passar-se-ão mais doze anos até a história se ampliar e cobrir o céu … como um par de aviões a colidirem com edifícios altos.”

Todas as citações são de “Joseph Anton”, a autobiografia de Salman Rushdie. Que continua vivo, graças à polícia britânica.