Não vai acontecer, mas Portugal podia dar o salto nos próximos anos. Contrariamente ao que sucedeu na última crise, as instituições europeias estão dispostas a apoiar vigorosamente os Estados Membros mais afetados pela pandemia. Entre o programa adicional de compra de dívida pública do BCE, no valor de 750 mil milhões, e o novo plano da Comissão Europeia para um fundo de retoma económica, no mesmo valor – ainda que com o Tribunal Constitucional alemão e alguns governos mais céticos a baterem o pé, mas com o eixo franco-alemão sintonizado -, parece que haverá dinheiro. O problema é como e onde o vamos gastar.

O trauma do grande investimento público na resposta à última crise, que contribuiu para quase duplicar a nossa dívida pública enquanto algumas empresas amigas do regime faziam a faturação das suas vidas, ainda está bem presente na memória de quem paga impostos. António Costa reinventou a política nacional com a “geringonça”, mas também promoveu um reposicionamento ideológico do Partido Socialista com Mário Centeno e a sua versão de austeridade light, uma neoausteridade servida com aparente alívio de impostos diretos logo desequilibrado pelo aumento de impostos indiretos, serviços públicos essenciais a pão e água (e a aumentarem nas suas falhas), e investimento público em mínimos históricos. Foi um lavar de cara e de alma do partido que, por três vezes, conduziu o país à pré-bancarrota, mas dificilmente podia ter sido diferente: o expansionismo económico era, com o nosso nível de endividamento, incompatível com as regras orçamentais europeias.

Agora, com um apoio financeiro significativo de Bruxelas a fundo perdido, o alargamento do seguro de vida de Frankfurt e Mário Centeno de saída, o tempo de contenção no investimento e do rigor orçamental pode ter os dias contados. Brevemente, é provável que o Governo reúna condições para voltar a ser o velho PS, abrir a torneira e encontrar o seu Grupo Lena, lançar a sua Parque Escolar, fazer um aeroporto de luxo em Lisboa, estacionar por lá os aviões da TAP parcial ou totalmente pública — quem sabe, até, tirar da gaveta o TGV para Madrid ou a terceira travessia do Tejo. Não os subestimemos, porque gastar é com eles, e uma década de privação na política dos negócios, no capitalismo de compadrio, é uma eternidade.

A história podia ser diferente se não insistíssemos, em contraciclo com os países europeus mais prósperos, na eleição de governos socialistas. Nos próximos anos, em caso de aprovação da proposta apresentada pela Comissão Europeia, receberemos, entre outros apoios, cerca de 15 mil milhões a fundo perdido, que podiam ser canalizados para uma reforma profunda da nossa economia, com redução de impostos sobre as empresas e as pessoas, atração de investimento e criação de condições para alcançar um crescimento económico significativo, sem o qual não sairemos da estagnação social das últimas décadas. Reduzir faseadamente o IRC para 15% até 2023 e transformar o IRS num imposto de duas taxas (15% e 27,5%, com isenção dos primeiros 700€ de rendimento mensal), como recentemente propôs a Iniciativa Liberal no seu Plano de Retoma Económica e Cívica (“PREC Liberal”), seriam dois aceleradores do crescimento económico e da mobilidade social que podiam ser, em parte, suportados pelos referidos apoios europeus.

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Paralelamente, teríamos uma oportunidade histórica para avançar com a sempre adiada reforma do Estado, suportando os custos inerentes a deslocação e formação de recursos humanos, mas também compensações de funcionários dispensáveis e reinvestindo parte dessa poupança no que é essencial melhorar nos nossos serviços públicos. Por exemplo, na Justiça, que para ser mais célere precisa de outros meios, e na Saúde, que para não ter listas de espera intermináveis e evoluir para um modelo misto – acabando de vez com o mito que serviço público só pode ser prestado pelo Estado – também carece de outra dotação orçamental. O argumento intemporal dos detratores de qualquer investida para reduzir a despesa pública é precisamente o esforço orçamental necessário para cumprir com os direitos adquiridos, remetendo para um tempo futuro incerto, quando estiverem reunidas condições. Esse tempo podia e devia ser agora.

Não vai ser assim. A falta de visão e de ambição deste Governo perpetuará a nossa realidade dos salários miseráveis de três dígitos e dos pequenos aumentos anuais do salário mínimo, enquanto a classe média definha e muitos dos nossos melhores jovens emigram. Os anos gloriosos de Costa e Centeno, num contexto favorável, resumiram-se a um crescimento nunca superior a 2,4% e a cerca de 80% de novos empregos com salários inferiores a 900 euros. Só quem se contente com pouco pode olhar com esperança para o futuro.

O milagre português segue dentro de momentos com a nova popstar do Governo, o “paraministro” António Costa e Silva, que se apressou a dizer em entrevista que “falta mais Estado na economia” e desenhou um plano de relançamento para os próximos dez anos em apenas dois dias. Sai o Ronaldo das finanças, entra o Messi(as) da economia. E nós, no campeonato do nível médio de vida, continuaremos mais próximos da distrital.