A tomada de posse do novo Parlamento é um bom momento para reflectir sobre a situação política nacional e, em especial, sobre o predomínio avassalador do PS ao longo das últimas décadas. Um predomínio agora reforçado com uma maioria absoluta que provavelmente garantirá o prolongamento do PS no poder ininterruptamente por mais de uma década: entre 2015 e 2026. António Costa terá assim a possibilidade de bater o recorde de permanência na liderança governativa em democracia detido por Cavaco Silva.

Admitindo o cenário mais provável de cumprimento da legislatura, se considerarmos o período que vai de 1995 a 2026, o PS terá estado no poder 24 anos ao longo de três décadas: mais de 70% do tempo. Mais impressionante ainda se considerarmos o período que vai de 2005 a 2026, no qual o PS terá estado no poder 17 anos num total de 21 (mais de 80% do tempo), com os únicos quatro anos de governação de centro-direita a serem marcados pelo cumprimento das condições do memorando de entendimento com a troika que se seguiu ao pedido de assistência externa por parte do governo socialista liderado por José Sócrates. Sendo certo que não há (felizmente) qualquer dúvida sobre a legitimidade e real competitividade das eleições em Portugal, a verdade é que o PS se consolida cada vez mais como uma espécie de partido dominante (ou pelo menos semi-dominante) em torno do qual gravitam boa parte do país e das suas instituições.

Os resultados dessa quase hegemonia socialista estão longe de ser brilhantes: entre 2005 e 2021, Portugal desceu da 15ª posição em termos de PIB per capita (em paridades de poder de compra) para a 21ª posição, sendo sucessivamente ultrapassado por países que eram há 20 anos atrás substancialmente mais pobres. O empobrecimento relativo de Portugal e a estagnação do país na cauda da Europa arriscam-se a ser as principais marcas deixadas pela governação do PS, legados que serão inevitavelmente partilhados também pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.

A situação é agravada pelo facto de à direita do PS não se percepcionar uma alternativa clara e viável de governação. É certo que, apesar de o PS ter conseguido uma maioria absoluta, o conjunto do espaço eleitoral à sua direita cresceu de forma relevante, mas está ainda por demonstrar a possibilidade de construir nesse espaço uma alternativa à quase hegemonia construída nas últimas décadas pelo PS.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A maior fragmentação partidária do espaço à direita do PS não é necessariamente um problema – e pode até constituir um passo no sentido de uma reconfiguração da direita no sentido de um padrão mais consonante com o que acontece no resto da Europa – mas é urgente construir e consolidar uma alternativa credível de governação ao PS que não se limite a esperar que o poder simplesmente lhe caia nos braços. Rui Rio falhou – duas vezes – nesse propósito e o sucesso futuro da oposição à direita residirá em boa parte na capacidade de aprender com os erros cometidos e não os repetir.

Essa será aliás a questão central para esta nova legislatura: até que ponto o PS se consolida como partido central do sistema político português remetendo todos os outros para posições subalternas? Sem um projecto político bem alicerçado à direita que se apresente como alternativa credível, o PS continuará firme no poder e tudo o resto continuará a importar muito pouco.

Uma nota final para a escolha de Augusto Santos Silva como Presidente da Assembleia da República: num contexto de maioria absoluta, exercer tais funções constitui uma responsabilidade acrescida pela necessidade de garantir uma postura de equidistância que ajude a preservar o regular o funcionamento do Parlamento e a prevenir abusos de poder por parte do partido maioritário. Santos Silva tem inequivocamente a experiência e a inteligência necessárias para exercer bem essas funções e constitui uma melhoria significativa tanto face ao seu antecessor como face a outras possibilidades que chegaram a ser sugeridas para o cargo. Resta esperar que coloque as suas inegáveis qualidades ao serviço das funções e do seu legado.